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14 Novembro 2018

A bondade imerecida

Escrito por  OFMConv-Notícias

A bondade e a caridade são para quem as merece? Sempre me chama muito atenção a parábola que Jesus conta do empregador que contrata trabalhadores para sua vinha em diferentes horas do dia e, depois, paga a todos a mesma quantia (cf. Mt 20,1-16) ou o “excesso de misericórdia” que o pai usou com o filho mais novo que retorna à casa, na parábola do pai misericordioso (cf. Lc 15, 11-32). Injusto, dirão alguns. Imerecido, dirão outros. Ingenuidade, dirão muitos. Faz-nos pensar na lógica a partir da qual queremos orientar nossa vida. É a lógica da justiça fria e calculista? Ou será que a proposta para a convivência humana deve seguir outros parâmetros?

Hoje constatamos que tudo tende a ser mercantilizado. Tudo se compra e vende. O mérito é a regra para tudo. Mas há vida fora das regras do mercado. Aliás, vida que, às vezes, não é valorizada. Ela sobra e se torna um peso: crianças carentes, idosos, doentes, moradores de rua, migrantes... São, como nos diz nosso Papa, “descartáveis”. Quando tudo é mercado, não há mais espaço para a caridade.

A cobrança social pelo sucesso econômico como principal indicativo de uma vida feliz, deslocou a bússola que aponta onde está o verdadeiro e o bom para o ser humano. É claro que o econômico é importante, mas o que faz o ser humano ser feliz não está na lógica do mercado, são os valores que o humanizam: a bondade, a misericórdia, a tolerância, a caridade, a valorização de cada pessoa humana simplesmente pelo que ela é, sem nenhum acréscimo. A pessoa humana tem valor e dignidade em si mesma. Somos um dom de Deus, totalmente imerecido. Cada vida que nasce pede acolhimento e valorização. Um ser humano nunca sobra. Pede para ser amado unicamente porque existe, não pelo que faz, pelo que representa, pela classe social a que pertence ou pelo que realizou de certo ou errado. A própria organização da sociedade precisa ir além da lógica do mérito, se quer buscar o bem comum.

Quando um voluntário se propõe a fazer o bem, sendo presença misericordiosa nas instituições de caridade, não almeja nada para si, nem sequer o reconhecimento. A caridade não admite acréscimos, mas ela é um bem em si mesmo. Só existe a possibilidade de amar aproximando-se das pessoas. É um erro enquadrar as pessoas em ideias, esquemas ou teorias, pois cada um é único, tem um rosto, tem uma história, que merece ser escutado e acolhido. Ir ao encontro e ouvir a história dos sofredores é a primeira caridade.

Muitos preconceitos caem quando temos a coragem de nos aproximarmos para olhar no rosto e conversar. Quando somos portadores de preconceitos, talvez pensemos que não o mereçam, segundo a lógica humana, mas são igualmente amados por Deus. Para quem tem fé, acrescenta-se ainda que no rosto dos outros vemos o irmão em Cristo, que irradia em si a imagem de Deus. 

A bondade imerecida é o modo de Deus agir. Nossa relação com Deus, portanto, sempre deve ter a marca da gratuidade. Se cultivarmos uma relação gratuita com Deus, com mais facilidade poderemos ver além da lógica do mérito, que aprisiona e sufoca. Santa Terezinha, no final de sua vida disse que não queria o paraíso como recompensa, mas como dom da bondade de Deus, “No ocaso desta vida, comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois não vos peço, Senhor, que conteis minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas a vossos olhos. Quero, pois, revestir-me de vossa própria justiça e receber de vosso Amor a eterna posse de vós mesmo”.

 

Fonte: Diocese de Anápolis. Autor: Dom Adelar Baruff, Bispo de Cruz Alta.

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