A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia (IV)
Depois de termos visto que coisa entendemos com a palavra beleza e de termos aprofundado como essa se manifesta na liturgia e como entra em relação com a ação litúrgica, agora nos perguntamos “em que modo a beleza da liturgia evangeliza a Igreja?” Antes de tudo é preciso entender que a liturgia realiza uma função de iniciação, comunica alguma coisa da presença de Deus aos homens e às mulheres do nosso tempo. O liturgista Goffredo Boselli, em “O sentido espiritual da Liturgia” (2014), diz que isso “significa atestar que a liturgia é, em si mesma, mistagogia, ou seja, é capaz de ser epifania do mistério, de modo que a Liturgia inicia ao Mistério celebrando-o”.
Na liturgia existe um duplo movimento: aquele de sístole e aquele de diástole, para que os símbolos litúrgicos possam ser eloquentes e a Palavra que ressoa na liturgia atingir a muitos, por diversas razões, estamos em contato com a própria Palavra, cuja a corrida do coração do homem é conhecida somente por Deus (cf. E. Bianchi, Nuovi stili di evangelizzazione, 2012). De fato é Cristo que fala quando se proclama as Escrituras que contém a Palavra de Deus (cf. SC, 7); não somente, é o próprio Senhor que opera, age, cria o evento da salvação, faz com que a Palavra proclamada e acolhida se realize na vida de quem escuta (cf. Lc 4, 21). Quantas vezes é propriamente a Palavra que ressoa na ação litúrgica a atingir homens e mulheres não cristãos e distantes da Igreja, mas que estão presentes em celebrações de Batismo, matrimônios, funerais... homens e mulheres que o único contato com a liturgia é a própria liturgia que participam.
Assim, sendo que nas celebrações da Igreja quem opera é Cristo mesmo, a liturgia “ganha” de qualquer outra forma de evangelização e formação. Nela e por ela, mais do que “falar sobre” Deus e suas coisas, é Ele mesmo quem fala e por sua Palavra, se revela e se dá. Além da Palavra proclamada e escutada pela assembleia, também a semântica dos sacramentos pode tornar eloquente para aqueles que dele participam: é a experiência de comunhão com Deus, que envolve todos os sentidos do corpo. O corpo que, na liturgia, é lugar por excelência da comunhão com Deus, sendo destinado a tornar-se morada de Deus, pois é o lugar que experimentamos a graça e a força de salvação que ele nos doa.
Nesse sentido, a Liturgia não é composta de ideias a serem comunicadas, mas de uma presença a ser percebida, experimentada e expressa. A Liturgia não é, primeiramente, pensamento, é corporeidade. O corpo antecede a mente, na verdade, a forma, como dirá Bonaccorso (cf. Il culto nello Spirito come culto incarnato, 2011). É o jogo estético da sensorialidade humana que manifesta o conhecimento de Deus e da comunidade. O corpo é imerso na água do batismo; o corpo é ungido com o santo crisma; o corpo recebe o corpo e sangue de Cristo e é transformado em corpo de Cristo; a crismação e a unção que habilita a missão e que acompanha o crente no êxodo pascal; o fogo e a luz, sinais da páscoa de Cristo, são sinais que, utilizados com a seriedade própria da ars celebrandi, podem iniciar e educar a fé.
Sim, porque – como já dissemos – o sentido profundo da beleza desses gestos e da Palavra na ação litúrgica é somente um: revelar, manifestar o amor do Senhor Jesus Cristo de forma simples, sóbria e digna. Desse modo, quem participa da liturgia experimenta no próprio corpo a beleza desse amor. Compreende-se assim como a beleza cristã é um evento, não um dado fixo e imutável. Essa é originada do dom de Deus em Cristo Jesus, leva-nos a comunhão entre os homens e com todas as criaturas, suscita como resposta a gratuidade, gera no coração humano a humildade. A eucaristia, que é o coração da comunidade cristã, memória da doação de Deus em Cristo Jesus a humanidade (cf. Jo 3,16), é magistério de beleza no momento mesmo que é magistério de caridade.
Devemos ser convencidos que em cada liturgia, em particular, na celebração eucarística, é presente o mistério de Cristo que age para reunir e unir no Pai os filhos de Deus dispersos. Disso brota a evangelização, porque quando a assembleia celebra, não celebra a si mesma. Ao centro da ação litúrgica não está nem a assembleia e nem o ministro, mas o Mistério Pascal, que realiza entre os homens, a favor de toda a humanidade e do cosmo inteiro, a presença que acolhe, evangeliza e educa. Se não crermos nisso, a evangelização será propaganda e a liturgia espetáculo religioso que faz “surtar” o participante. Sendo assim, o detalhe está em perceber que os ritos não se fundam sobre a “ressonância emotiva” próprias das subjetividades, mas numa prescrição que lhe confere objetividade e autenticidade (cf. ZANQUI, In presenza di spirito: rito Cristiano e tempo dell’anima, 2011).
Um estudioso da liturgia no brasil, padre Marcio Pimentel, afirma que “essa característica da Liturgia faz dela excelente instrumento evangelizador. E esse potencial das celebrações tem sua fonte e poder no fato de não somente fazer circular conteúdos religiosos, teológicos e éticos, mas, sobretudo, por sua capacidade de gerar presença. A evangelização, em última análise é isso: dotar o mundo com uma presença que alegra. A presença do Verbo de Deus, princípio e fim de tudo; qualificador primordial de todas as realidades criadas. Por Ela tudo se sustêm”.
Por fim, concluindo nossa série sobre a beleza, respondemos a última questão, afirmando que a liturgia evangeliza a Igreja na medida que nos insere no mundo de Deus, na sua presença atualizada, e qualifica a história como sacramental do Cristo morto e ressuscitado, o vivente, caminhante e atuante no meio do seu povo.
Autor: Frei Luis Felipe C. Marques (OFMConv.).
Série "A Beleza da Liturgia": Para refletir sobre a beleza da liturgia, nesta série de artigos, o Frei Luis Felipe (OFMConv) buscou compreender como esta evangeliza o homem e a mulher moderna a partir de 4 perguntas: que coisa é a beleza? A liturgia é beleza? Qual a beleza na liturgia? Como a beleza da liturgia evangeliza a Igreja?
Esta foi a última reflexão. Clique aqui e leia os outros artigos da série.