É inútil esconder isso. Há um desejo nunca preenchido de felicidade dentro de nós. Os homens e mulheres de todos os tempos chegaram a um acordo sobre essa necessidade urgente que ora ou outra ressurge com certa pontualidade. Nenhuma alegria material pode satisfazê-la. Não é por acaso que até mesmo uma alma profunda como a de Giacomo Leopardi se perguntasse: "O que é felicidade? E se a felicidade não existisse, o que seria a vida?” Uma questão essencial que hoje, muitas vezes, é banalizada ou incompreendida na era digital.
Precisamos de um olhar que foque mais nos céus, já que este questionamento diz respeito também ao próprio destino da nossa existência: sentir-se que está sob os cuidados de Nosso Pai é diferente da perspectiva de ser fruto do acaso e acabar no nada. Este é o caminho também percorrido por Orlando Todisco (OFMConv) em um volume filosófico e pensativo: seja bom para o mundo. A arte de ser feliz segundo São Boaventura (Porziuncola, páginas 230, euro 18). Professor e autor de numerosos ensaios sobre a metafísica medieval, Todisco propõe uma alternativa que vai contra a corrente, inspirado nas lições de um grande místico e doutor da Igreja, um dos primeiros seguidores de Francisco de Assis. Aquele Giovanni Fidanza, nascido em Bagnoregio (Viterbo) em 1217, a quem ainda criança a cura Poverello teria previsto "boa sorte" (donde Bonaventura).
Antonio Giuliano, do jornal italiano Avvenire, conversou com o filósofo Todisco, autor do ensaio sobre o São Boaventura: "Reconhecer como tudo é um dom que nos impulsiona a compartilhar a vida, a experimentar nossa alegria na do outro". Segue a entrevista:
- Qual é a distinção entre felicidade de acordo com São Boaventura e aquela que compreendida hoje?
R: Se para Boaventura a felicidade é uma maneira mais ou menos estável de viver no mundo, hoje ela é a sucessão de eventos favoráveis que acontecem e desaparecem com grande velocidade; mais do que saber viver é o súbito aparecimento de emoções percebidas em seu imediatismo. Isso ocorre porque as pessoas, atualmente, vêem as coisas de forma possessiva, quase como se viessem ao mundo para assumir e se afirmar: Como surgiu essa aparência distorcida? Perdemos a concepção de que o mundo é um dom e somos chamados a embelezá-lo e não a sermos saqueadores dele. Boaventura nos coloca diante de uma alternativa: o fascínio de ser como um presente, ser acolhido e vivido ou a reivindicação de ser um direito. No entanto, ninguém vem ao mundo sozinho. Isto implica, em primeiro lugar, o reconhecimento de que o outro vem antes de mim, isto é (Deus, o indivíduo, a comunidade) que me chamou gratuitamente ao ser. O egoísmo, como um mal-entendido da primazia do outro, é a idolatria da mentira.
- A consciência de sentir-se amado gera a felicidade que não é assim se não for compartilhada.
R: Não só não consegue alcançar a si mesmo, como também não se pode viver sem o apoio do outro. O medo do próprio fracasso acompanha toda a aventura. Mas não é um motivo de humilhação porque o outro que me ama me quer como criador e não apenas como um sujeito qualquer. O poder do dom está em suscitar no recipiente o desejo de dar de volta de acordo com a lógica do dom, sendo assim, um sistema circular.
- Todos os filósofos procuraram a felicidade. Mas qual é o limite deles de acordo com São Boaventura?
R: O que importa para os filósofos é o conhecimento. Já Boaventura, observando que Deus não é, mas dá a si mesmo, a expressão suprema da lógica altruísta: externando o crescimento que evita a idolatria do conhecimento e compartilha a vida. Dessa forma, acaba por distribuir a sua própria felicidade na felicidade do outro porque, caso contrário, seria apenas uma máscara, mais ou menos disfarçada, de seu próprio egoísmo.
Quem são homens "oblativos" no concreto?
“R: O oblativo (que se oferece voluntariamente) é aquele que amadurece o pensamento de ‘‘ser como direito” para “ser como presente". E isso não é a inspiração dos missionários e das famílias onde todos são senhor e servo, com um voluntariado imenso?
- O que mais se evidencia no franciscanismo de São Boaventura?
R: Sentindo os perigos da primazia da razão e, portanto, da filosofia - este é o sentido da desconfiança de São Francisco para o conhecimento - que teria aumentado nosso poder, mas empobrecido o nosso horizonte, São Boaventura abriu outro caminho, afirmando que as coisas são o trabalho da benevolência de Deus. O cenário da filosofia ocidental é muito diferente, segundo o qual o mundo é como uma esfinge a ser interrogada, uma ameaça a ser derrotada ou uma mina de recursos a serem explorados. Este é o coração da proposta de Boaventura: o amor voluntário, a alma da aliança entre Deus e o homem criado ao mundo como um presente, para ser acolhido e guardado.
- Boaventura, Ministro Geral da Ordem Franciscana por 17 anos, é também o autor da primeira biografia oficial sobre São Francisco. Mas hoje ele é acusado de trair a imagem histórica do Poverello (do italiano “pobrezinho”, forma como São Francisco é conhecido).
R: É verdade que no Capítulo Geral de Paris em 1266 ele removeu todos os escritos relacionados a São Francisco. Mas o fez com o objetivo expresso de impedir a consolidação da imagem do santo teorizado por Gioacchino da Fiore como se fosse um político revolucionário, um manifestante e uma ordem eclesial subversiva, social ou institucionalmente. Boaventura reescreveu a biografia de Francisco, mas sem trair suas características essenciais. O Legend Maggiore é um trabalho político condizente com um teólogo que ama, acima de tudo, a comunhão da família franciscana com a hierarquia, com o clero e a autoridade acadêmica.
- "Para São Boaventura, o destino final do homem é amar a Deus, encontrar-se e unir-se com o Seu e o Nosso Amor. Isto é para ele a definição mais apropriada da nossa felicidade". É o que escreveu o Papa Bento XVI, grande admirador do santo franciscano.
R: Uma das razões desse fascínio é a "racionalidade ampliada" de São Boaventura, graças à qual se ultrapassa a separação entre o que é divino e o que é humano, o que é eterno e o que é temporal, próprio de certa epistemologia ocidental. Para o santo, os ramos do conhecimento não podem ser isolados uns dos outros. As grandes questões e os respectivos horizontes de luz surgem apenas quando o conhecimento das disciplinas individuais é combinado. No caso de seu isolamento, inevitavelmente caímos em erro, como aconteceu com os filósofos, Aristóteles e Platão, autores de grandes filosofias, mas sem a consciência de estar longe de outras formas de conhecimento. Também se aplica à teologia, se não for além de si mesma em direção à santidade. O problema da ciência não é apenas teórico.
(Traduzido de: Avvenire. Autor Original: Antonio Giuliano)