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06 Agosto 2018

Irmão e Irmã: o encontro de Francisco com uma mulher feita de amor

Escrito por  OFMConv-Notícias

Agosto nos traz sempre de novo a figura de uma mulher de Assis, Clara, companheira de Francisco e que será relembrada, segundo o calendário franciscano, no dia 11 deste mês. Eis algumas reflexões sobre ele e ela e aquilo que eles continuam a nos dizer. Com toda certeza, Francisco e Clara, da cidade de Assis não podem ser separados. Os dois nasceram para um mundo novo a partir de uma comum inspiração: ambos arrebatados por Cristo pequeno, amoroso, bondade. Christian Bobin, fecundo escritor francês, poeta em cada linha que escreve, foi vigorosamente aplaudido com o seu “Le Très Bas”, uma ode de amor a Francisco de Assis. Traduzimos uma página da peça estelar de Bobin em que escreve sobre os laços que uniam Francisco e Clara.

Em sua imitação ingênua e quase obcecada das Escrituras, Francisco de Assis não podia evitar este encontro com uma mulher feita de amor, sua irmã, seu dublê. Nada dizer a respeito dela senão que os dois se completam como duas colunas que sustentam os arcos de uma abóboda, passando de um para o outro todos os matizes do amor, todas as cores do sonho.

A respeito dela pouco se pode acrescentar além do que se diz com essa simples palavra Clara. Seu nome revela o que ela é e o que dela emana: Clara. Clareira, caminho claro, clarividente, relâmpago, limpidez. Todas estas palavras impregnam seu nome, todas essas luzes dela proveem; mocinha de dezesseis anos que os pais se preocupam em dar-lhe casamento, mocinha igual aquelas que encontramos em tantas canções francesas, pássaro rebelde que não quer aprender a música que lhe ensinam, pardal que prefere saltitar pelos caminhos batidos pela chuva, do que se colocar sob as folhas de uma única árvore, de “alta linhagem”.

Que queres fazer mais tarde? Muitas vezes fazemos esta pergunta a crianças que não sabem o que quer dizer “mais tarde”, que conhecem apenas o presente e no presente a presença maravilhosa do todo. Com quem você quer se casar mais tarde? pergunta-se àquela cuja beleza inquieta e preocupa. Que o casamento venha, pois, ser um coroamento de uma tal beleza. Mas aquele que ela deseja desposar não está presente e nem estará. Não está perto nem alhures. Está na alturas e no mais baixo, longe e perto… ele é e não é.

Como nas histórias das antigas cantigas, a moça deixa a casa dos pais no meio da noite, passa por um porta camuflada, atravancada por pedaços de lenha, afasta galho por galho com suas mãos, sai correndo sob a noite estrelada até aquele havia projetado o rapto, o rei do coração, o príncipe da fuga, Francisco Assis. Eles amam do mesmo amor, são feitos para se entenderem, ébrios do mesmo vinho.

Ela troca sua veste cintilante por uma indumentária de gente simples, feita de lã e ei-los anos a fio separados e juntos, ele prendendo nas redes de sua voz os pássaros do céus, os animais dos campos e os homens das cidades e ela atraindo para as redes de Deus moças cada vez mais numerosas, cada vez mais bonitas.

 

Dois caçadores clandestinos. Dois nômades nas invisíveis propriedades de Deus.

Separados como antigamente acontecia nas escolas. Os meninos de um lado e as meninas do outro. Ela, do lado das meninas; ele, do lado dos meninos. Separados nas aparências e nos lugares. Reunidos pelos intermináveis diálogos das almas, por esse encantamento de ter encontrado um interlocutor privilegiado, aquele ou aquela que compreende tudo, mesmo os silêncios, mesmo o que não se saberia dizer para si mesmo no silêncio, o irmão, a irmã sem os quais o tempo passado na terra não seria mais do que tempo, nada de outra coisa.

A legenda que sempre diz a verdade para além das provas históricas, que está no sangue das almas, diz que um dia em que Francisco visitava Clara e suas irmãs em seu convento, irrompeu um incêndio, visto de vários lugares da redondeza. A população de Assis que acorreu para apagá-lo, não viu chama alguma, fogo nenhum, apenas Francisco e Clara em torno de uma frugalíssima refeição e uma imensa claridade entre os dois, que não arrefecia.

 

Santa Clara e São Francisco, dois irmãos que decidiram seguir juntos a radicalidade do batismo.

 

Ele morrerá antes dela. Isso não tem a menor importância. O amor desde sua vinda, desde seu primeiro frêmito, aboliu os antigos decretos do tempo, suprimiu as distinções de antes e de depois mantendo apenas o hoje eterno dos vivos, o hoje amoroso do amor.

 

Fontes: Franciscanos via Christian Bobin, “Le Très-Bas”, Gallimard, p. 101-104. Autor: Frei Almir Guimarães.

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