Alguns depoimentos sobre Francisco e aquilo que o fazia viver. Poucos depoimentos que nos ajudam a ir completando o perfil de Francisco.
- Humanista e humorista: Francisco ao longo de sua vida foi um fenômeno de massa, certamente por seu estilo evangélico, mas também porque era um gênio em termos de comunicação. Captava imediatamente as necessidades e expectativas de quem dele viesse se acercar.
Tinha um inato sentido para o espetáculo. Era um artista. Nos tempos de sua juventude cantava pelas ruas e participava das serestas com seus amigos. Depois de sua conversão costumava expressar-se na pregação com movimentos corporais e gestos semelhantes aos dos trovadores e jograis. Se em sua juventude havia sonhado ser cavaleiro, servindo-se da linguagem cavalheiresca da época, depois de sua conversão continuava empregando um vocabulário de palavras e imagens muito diversas da linguagem religiosa habitual. Falava de seus frades como cavaleiros da Távola Redonda, da pobreza como uma noiva. Às vezes pregava com a linguagem de cantigas de amor em voga na época, transformando-as, dando-lhe um sentido religioso. Conseguiu superar a dicotomia entre sagrado e profano, laical e clerical, linguagem profana e linguagem eclesiástica. Certa vez, ante suas admiradoras do sexo feminino, improvisou uma pregação feita apenas de gestos.
Sua conversão ao Evangelho não tirou dele este aspecto jovial e festivo. Ao contrário, chegou mesmo a potenciá-lo. Para ele, Deus era uma festa e dançava quando dele se aproximava ou d’Ele falava. Sua própria vida era permanentemente uma celebração litúrgica pelos campos e nas cidades. Para ele, a natureza era o templo visível da divindade onde ele celebrava espontaneamente a liturgia cósmica.
Inventou um estilo novo de encarnar o Evangelho unindo intimamente a coerência da mensagem de Jesus com seu jeito jovial e festivo. A santidade com a poesia. O humanismo com o humorismo. A religião com a estética. Conseguiu revestir o cristianismo de alegria. Seu estilo de vida tão original foi bem captado pelas multidões que sempre sabem descobrir o essencial da vida. (José Antonio Merino, Encarte de Vida Nueva n. 2263)
- Francisco e o Papa Francisco: Tomei o nome de Francisco por guia e inspiração no momento da minha eleição para bispo de Roma. Acho que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. É o santo padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos. Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e abandonados. Amava e era amado por sua alegria, a sua dedicação generosa, o seu coração universal. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade em uma maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e com si mesmo. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior. (Laudato Si’”, 10).
Não era isso que fazia Francisco viver?
Em torno dos estigmas:
Estigmas, sinais de um desejo de privação de toda posse: Aquele que tem as mãos estigmatizadas não pode mais assenhorear-se do mundo como antes.
Aquele cujos pés estão estigmatizados não pode mais caminhar pela terra como conquistador e dominador.
Aquele tem o lado atingido não pode mais ocultar seus dons na caixa torácica, nem mesmo seus ressentimentos e remorsos. O pássaro da liberdade encontra uma fresta para se lançar livremente por montes e vales.
O homem que assim se reconhece, atingido em sua carne, nada tem de próprio, distribui os bens. A natureza é reencontrada em inédito esplendor. A fraternidade originária esconde o ardor divino que o provoca.
Estigmas, forma de pregação - Os estigmas constituem uma forma de pregação quando os lábios emudecem. Os estigmas constituem um foco para a palavra do silêncio, aquela que se submete a todas as criaturas para melhor ser atendida.
Os estigmas são os lábios e pálpebras da carne que revelam e contemplam as profundezas no momento em que tudo se cala, onde o ambiente manda que se cale, onde acontece a cegueira e não um mero mal enxergar.
Quando o contencioso com os frades se torna mais forte, que o destino da Fraternidade franciscana parece incerto, quando o Evangelho corre o risco de ser uma utopia ou simplesmente um ingênuo sonho, Francisco toma a decisão de subir o Alverne e viver intensa solidão. Finalmente, no silêncio do intercâmbio misterioso, acontece um face a face, a partilha de sofrimento do amigo com o Amigo. Nada podemos dizer. Simplesmente meditar em nosso coração.
Via: Franciscanos. Autor: Frei Almir Guimarães (OFM).
Fontes: Bernard Forthomme, Par excès d’amour. Les stigmates de François d’Assise, Ed. Franciscaines, Paris 2004, p 28-29