"Penso que tu já tens bastante, Senhor, de pessoas que sempre falam de te servir com atitude de chefe, de te conhecer com ares de professor, de chegar até ti com regras desportivas, de te amar como se ama num casamento envelhecido. Um dia em que tiveste vontade de outra coisa, inventaste S. Francisco, e dele fizeste o teu jogral. Deixa que nós inventemos alguma coisa para ser gente alegre que dança a própria vida contigo."
Testemunha de um cristianismo operário, incarnado nos bairros proletários de Paris, Madeleine Delbrêl (1904-1964) deixou-nos escritos em que se cruzam poesia e espiritualidade, fantasia e compromisso. É o caso desta oração, leve na sua sinceridade e espontânea na sua frescura.
É verdade, talvez estejamos a exagerar, também nós, homens de Igreja, com um excesso de lamentos sobre a sociedade contemporânea, o seu secularismo e a sua imoralidade. Estamos a exagerar também nós todos, crentes, numa prática reiterada e em ideias guardadas como se fossem pedras preciosas mas frias. Estamos a exagerar teólogos, filósofos, sociólogos e todos os outros em desânimo cada vez mais sombrio e sofisticado.
Com certeza que tudo aquilo também é necessário. Mas bem mais importante é a serenidade, a confiança, a esperança. Saber mais algumas vezes revestir-se de sorriso e simplicidade, como Francisco. Estar pronto a "dançar a vida", em qualquer momento de festa e de calmaria. Crer maioritariamente na eficácia da "graça", que em grego se diz "charis", a palavra que deu origem à nossa "carícia" e ao adjetivo "caro".
"Onde não há humor, não há humanidade; onde não há humor (isto é, esta liberdade que se toma, esta distância perante si próprio), há o campo de concentração."
A necessidade de leveza interior, que não é ligeireza, a frescura da alma, que não é banalidade, presentes na citação de Delbrêl, são aqui retomadas, a partir de outro ângulo, pelo famoso dramaturgo franco-romeno Eugène Ionesco (1912-1994).
O que me interessa é sobretudo a definição que ele dá do conceito de humor: a liberdade, a distância em relação a si próprio. Por outras palavras, a ironia nasce do não se tomar a sério e por isso saber ver, com amável bonomia, mas também com autoconfiança, os limites próprios e dos outros.
O sarcasmo é muitas vezes diabólico, nasce da maldade e do orgulho, é o desejo de esmagar o outro, humilhando-o. E quantas vezes isto acontece também nos jornais, para não falar das relações diárias. O humor autêntico é, pelo contrário, a consciência de que a pomposidade altaneira não nos serve, e é também a capacidade de enfrentarmos a vida com serenidade, com a prontidão no desmistificar o que dizemos e fazemos.
Precisamente pela sua sinceridade, o verdadeiro humor tem a sua força, consegue desvelar que o rei vai nu, não obstante o seu discurso empolado, induz-nos a vacinarmos contra a soberba, contra a síndrome do grilo falante. Santa Teresa de Ávila orava ardentemente assim: "Livra-me, Senhor, das tolas devoções dos santos de cara triste."
P. [Card.] Gianfranco Ravasi
In "Avvenire"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins