“Que bom saber que Deus anda nos procurando. Será que abrimos-lhe caminhos e sendas?” Um dos escritores mais profícuos e profundos de nossos tempos e que reflete inteligente e criticamente sobre o ser gente e ser cristão é Christian Bobin. Dele é o seguinte pensamento: “Eliminei muitas coisas inúteis de minha vida e Deus se aproximou para ver o que se passava”. Os que eliminam coisas supérfluas são aqueles que abrem as portas para a chegada do Senhor. Coisas inúteis em geral são coisas complicadas. Vamos tentar fazer um breve elogio da simplicidade.
Simples é aquilo que se opõe a complexo, sofisticado, complicado, aquilo que é formado de um só elemento, o que nosso espírito não tem dificuldade de captar e apreender, tanto no campo prático como no nível das ideias. André Comte-Sponville, filósofo, assim escreve sobre o tema: “Ser simples é ser natural, sem duplicidade, sem cálculo, sem composição (…). Quase se poderia dizer que simplicidade é esquecimento de si. Nesse sentido a simplicidade é uma virtude, não o contrário de egoísmo como a generosidade, mas o oposto de narcisismo, de presunção, da autossuficiência (…) Por isso é fácil compreender os simples, amá-los, viver com eles”.
Atentemos para o binômio simplicidade e espiritualidade. Jesus gostava de dizer que seu Pai costumava revelar seus mistérios aos simples e humildes. Estamos diante de uma visão da simplicidade como despojamento. Voltemos a Comte-Sponville referindo-se à contemplação ligada à simplicidade: “É a atitude da consciência quando ela se limita a considerar a coisa como ela é, sem querer possuí-la, utilizá-la, julgá-la”. Thomas Merton diz que “a contemplação não é visão, porque ela vê sem ver e conhece sem compreender”. No campo da espiritualidade, simplicidade é o movimento de ir para além das palavras, dos conceitos e dos raciocínios. E agora Simone Weil a nos ajudar: “Quando se ouve Bach ou uma melodia gregoriana, todas as faculdades da alma se orientam para ou se calam para apreender esta coisa perfeitamente bela, cada uma à sua maneira. A inteligência entre outras: nada tem a ver com afirmar ou negar, mas de tudo se alimenta. A fé não deveria ser uma adesão desse tipo? Os mistérios da fé são degradados na medida em que são objetos de afirmação ou negação, quando na verdade precisam ser objeto de contemplação”.
Cuidado para não simplificar demais as coisas! Pode haver sério risco nesse campo. Simples sim, mas não simplório. Defender a simplicidade sem mais pode significar a recusa de refletir, de ver a realidade como ela é, deixando de fazer as necessárias distinções. Pode ser que elogiemos a simplicidade para acobertar nossa preguiça de pesquisar, de buscar, de discernir. Uma inadequada busca de simplicidade leva a certo empobrecimento do mundo. Virtus in medio, sempre.
O evangelho é anunciado por aqueles que vivem com simplicidade. “Esta sociedade precisa descobrir que precisamos voltar a uma vida simples e sóbria. Não basta aumentar a produção e alcançar um nível superior de vida. Não é suficiente ganhar sempre mais, comprar cada vez mais coisas, desfrutar de maior bem-estar. Esta sociedade precisa como nunca do impacto de homens e mulheres que saibam viver com poucas coisas. Crentes capazes de mostrar que a felicidade não está em acumular bens. Seguidores de Jesus que nos lembram que não somos ricos quando possuímos muitas coisas, mas quando sabemos desfrutá-las com simplicidade e compartilhá-las com generosidade. Os que vivem uma vida simples e uma solidariedade generosa são os que melhor pregam hoje a conversão de que mais necessita a nossa sociedade” (Pagola, O caminho aberto por Jesus, Marcos, p. 133-134).
Christian Bobin deve ter ficado feliz quando Deus veio saber o que se passava com ele quando simplificava sua vida… Quem sabe preparava o caminho para a comunhão com o Senhor…
Via: Franciscanos. Autor: Frei Almir Guimarães (OFM).