“Os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém reuniram-se à volta de Jesus e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, sem lavar. É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos: ao voltar da praça pública, não comem sem se lavar. E há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: ‘Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras? ’” (Marcos 7,1-8.14-15.21-23).
Jesus era certo de ser encontrado nos problemas de fronteira do ser humano, à escuta do grito da Terra, no encontro com os últimos, atravessando com eles os territórios das lágrimas e da doença. Aonde chegava, em aldeias, cidades ou no campo, traziam-lhe os enfermos e suplicavam-lhe que ao menos lhes deixasse tocar a bainha da sua capa. E quantos o tocavam eram salvos. Daqui vinha Jesus, trazia nos olhos a dor de corpos e das almas, a alegria irreprimível dos curados. E agora fariseus e escribas queriam prendê-lo em frivolidades, como mãos lavadas ou não, questões de louça e objetos!
Compreende-se como a réplica de Jesus é dura: hipócritas! Tendes o coração distante! Distante de Deus e do ser humano. O grande perigo, para os crentes de todos os tempos, é viver uma religião de coração distante e ausente, nutrido por práticas exteriores, fórmulas e ritos, que se compraz com o incenso, a música, as horas das liturgias, mas não sabe socorrer os órfãos e as viúvas (cf. Tiago 1, 27, 2.ª leitura).
Jesus abençoa de novo a vida, abençoa o corpo e a sexualidade, que nós associamos logo à ideia de pureza e impureza, e atribui ao coração, e só ao coração, a possibilidade de tornar as coisas puras ou impuras, de as sujar ou de as iluminar. O coração de pedra, o coração distante insensível ao ser humano, é a doença que o Senhor mais teme e combate. “O verdadeiro pecado para Jesus é, antes de tudo, a recusa de participar na dor do outro” (J.B. Metz).
O que Ele propõe é o regresso ao coração, uma religião da interioridade: não há nada fora do ser humano que, entrando nele, o pode tornar impuro; são, pelo contrário, as coisas que saem do coração do ser humano. Jesus desconstrói todos os preconceitos sobre o puro e o impuro, esses preconceitos tão difíceis de morrer. Cada coisa é pura: o céu, a Terra, todo o alimento, o corpo do homem e da mulher. Como está escrito, Deus viu e tudo era bom. Cada coisa é iluminada.
Jesus abençoa de novo a vida, abençoa o corpo e a sexualidade, que nós associamos logo à ideia de pureza e impureza, e atribui ao coração, e só ao coração, a possibilidade de tornar as coisas puras ou impuras, de as sujar ou de as iluminar. A mensagem festiva de Jesus, tão atual, é que o mundo é bom e que todas as coisas são boas, “repletas de palavras de amor” (“Laudado si’”). É uma mensagem que diz que deves proteger com todo o cuidado o teu coração, para que por sua vez seja protetor da luz das coisas.
Fora as superestruturas, os formalismos vazios, tudo o que é lixo cultural, que Ele chama “tradição de homens”. Livre e novo regresse o Evangelho, libertador e renovador. Que ar de liberdade com Jesus! Abre o Evangelho e é como uma lufada de ar fresco dentro do calor pesado dos discursos óbvios e habituais. Percorre o Evangelho e aflora-te o toque de uma perene frescura, um vento criador que te regenera, porque chegaste, porque regressaste ao coração feliz da vida.
Fonte: Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. Autor: Ermes Ronchi. Em: In Avvenire. Tradução: Rui Jorge Martins.