Desde há quase dois mil anos que estava aos olhos de todos a presença decisiva, diante do sepulcro vazio, de Maria Madalena, a primeira a dar a boa notícia da ressurreição: precisamente ela, uma mulher. Todavia, ninguém parecia verdadeiramente dar-se conta disso. Pelos séculos formaram-se até historietas misóginas, como a de que Jesus apareceu primeiro a uma mulher porque as mulheres são umas tagarelas e dessa forma a notícia espalhar-se-ia mais depressa.
Por outro lado, alguns reconhecidos comentadores perguntavam-se como o Ressuscitado teria negligenciado a sua mãe, chegando mesmo a imaginar uma aparição a Maria antes do encontro com Madalena, de modo a restabelecer uma hierarquia que se considerava alterada.
Sobre Maria de Magdala, devido à sua evidente proximidade com Jesus, emergiram mesmo vozes inquietantes, de tal modo que a fizeram tornar-se símbolo da transgressão sexual, relançadas por lendas persistentes, ainda hoje vivas. Muitos recordam a Madalena do filme de Martin Scorsese, "A última tentação de Cristo", e muitos mais leram "O código Da Vinci", sucesso editorial fundado precisamente sobre o presumível segredo do casamento entre ela e Jesus.
De resto, Madalena é a única protagonista importante da história sagrada a ser representada na iconografia algo despida, e quase sempre com os cabelos ruivos, desde há muito sinal de desordem sexual. Em substância, mesmo se era considerada uma santa, era figurada quase como símbolo oposto à imagem virginal de Maria, vestida de branco e azul. De tal maneira que as feministas dos anos 70 começaram a espalhar entre si o uso de chamar Madalena às suas filhas, como sinal de rebelião à tradição religiosa.
Mais clarividente foi, ao invés, a tradição popular, que imaginou uma sua viagem pelo mar até às costas de França, para evangelizar, precisamente como os outros apóstolos, uma parte do mundo então conhecido.
Foi por isso longa e difícil a estrada que conduziu à aceitação da verdade, uma verdade simples mas expressiva de uma mensagem que muitos não queriam ouvir: a de que, para Jesus, as mulheres eram iguais aos homens do ponto de vista espiritual, tinham o mesmo valor e a mesma capacidade. Por causa dessa surdez foi tão difícil admitir que Madalena era uma apóstola, a primeira entre os apóstolos a quem se manifestou o Senhor ressuscitado.
Por isso é precisamente dela, isto é, da restituição do lugar que lhe cabe na tradição cristão, que pode finalmente partir o reconhecimento do papel das mulheres na Igreja. O papa Francisco compreendeu-o claramente e desencadeou desta maneira um processo que nunca mais se poderá deter.
É significativo que 3 de junho, data do documento [que eleva a categoria litúrgica da evocação de Santa Maria Madalena, a 22 de julho, passando-a de memória obrigatória a festa], seja o do dia do Sagrado Coração de Jesus, devoção difundida por uma mulher, Margarida Maria Alacoque, e relançada com paixão por muitas mulheres do séc. XIX. São outras confirmações, estas, de que as mulheres estiveram sempre presentes na Igreja, tiveram papéis importantes e contribuíram para a construção da edificação cristã.