“Se alguém, por inspiração divina, querendo aceitar esta vida vier aos nossos Irmãos, seja recebido benignamente por eles” (RNB 1,1). Ser iniciado, isto é, ser noviço, na experiência de discipulado e minoridade vivida e deixada pelo Seráfico Pai São Francisco é, antes de tudo, uma inspiração divina, nos termos joaninos, Deus nos amou primeiro (cf. 1Jo 4, 10). Diria o profeta Jeremias, Deus nos seduziu (cf. Jr 20, 7). A inspiração divina é aquele hálito, o sopro, a vida de Deus já expressos no Gênesis no ato da criação do homem (cf. Gn 2, 7), o fôlego vital sem o qual nenhuma vocação pode subsistir. É esse sopro que move e comove todo o ser de um jovem a se entregar, se consagrar inteiramente a Deus. Nos termos bíblicos, a amar a Deus de todo o coração, com toda a tua alma e com toda a tua força (cf. Dt 6, 4-5). Diria o Seráfico Pai: “É isto que desejo, é isto que aspiro, com todas as fibras do coração” (1B 3,1). O movimento humano de criatura em direção ao criador. Deus, para um consagrado, torna-se seu único objeto de amor e de desejo. Amar a Deus é o alimento de sua alma
O noviciado é o período formativo de confronto e reflexão acerca da nova via assumida; uma busca incessante, árdua, pessoal, sincera e real, de conhecer, assimilar os hábitos, os conteúdos e os princípios constitutivos ao modo de ser franciscano. É uma adesão total ao projeto, ao discipulado de Jesus Cristo. O noviço em contato direto, respirando a cada instante as intuições e modo de vivida que o Crucificado concedeu ao Pobre de Assis, vai, paulatinamente, tornando a inspiração divina a sua vida em si. Por meio da vida de oração, da fraternidade, do trabalho, do lazer, do esporte, o frade noviço se depara com os vestígios de Deus no ordinário da vida. Em outros termos, a experiência de encontro com Aquele que lava os pés, o Irmão Menor, Jesus Cristo, se dá e se revela no cotidiano da vida do noviciado. O irmão, que é um dom do Pai, torna-se um espaço teológico e espiritual no qual se viver a profundidade do amor, da minoridade. Para tal, é indispensável que o noviço, para fazer essa experiência de encontro, esteja na ambiência do santo modo de operar do Senhor. Nessa perspectiva, diria que o noviçiado é semelhante e/ou igual a experiência que os discípulos de João Batista fizeram ao encontrar Jesus: “Que procurais? Mestre, onde moras? Vinde e vede” (Jo 1, 38-39a). O evangelista minuciosamente diz que foram, permaneceram com Jesus aquele dia. O ano de noviciado é estar com Jesus, ir ao seu encontro e vê-Lo com os olhos da alma, do coração e da fé. Tempo da intimidade (não de intimismo), da relação no qual o Mestre e o discípulo se tornam um.
Ao fazer a experiência do vinde e vede ou do vem e segue-me, ao término do noviciado, os noviços ratificam aquilo que se é e se vive ao proferir a fórmula da profissão ao dizer: “para louvor e glória da Santíssima Trindade ( protagonista e sustentadora de toda e qualquer vocação), eu, Frei N. movido por inspiração divina a seguir mais de perto o evangelho e os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo [...] com firme propósito e vontade faço votos a Deus Pai todo-poderoso de viver por um ano em obediência, sem nada de próprio e em castidade, e ao mesmo tempo, prometo observar fielmente a vida e a regra dos frades menores”. Resguardo pelo ato de vestição do hábito, o novo frade se reveste, se mune por inteiro de Cristo.
Os freis noviços Luan Dias, Gustavo Faria, Matheus Andrade, Vinícius Santos e Deivid Rodrigues falam de sua experiência no noviciados - os referidos frades estão há três meses no noviciado -. Segundo eles, estarem no noviciado é se encontrar na vivência única de suas vidas, provocados pela dinâmica da Santíssima Trindade. Cito literalmente a impressão dos noviços sobre esse período formativo: “A formação nos oferece a possibilidade de penetrar no espírito franciscano, compreendendo os moldes da experiência de ser um frade menor conventual que busca o primado de Deus, assumindo os valores da vida consagrada pelo itinerário do Seráfico Pai Francisco”. Conforme os noviços, o noviciado é o tempo propício para encontrar-se com Deus, consigo mesmo, movimentos que permitem o autoconhecimento “onde há um constante convite do Senhor que nos chama para águas mais profundas de nosso coração sob um autêntico e sincero desprendimento de nossas seguranças e inseguranças para que a ação da graça Divina se perfaça no itinerário de nossas vidas para Deus.”
Outro aspecto elencado pelos frades noviços é a vida fraterna, definida por eles como experiência frutuosa em virtude de ser um noviciado interjurisdicional que culmina na diversidade, no diferente, mas unidos no único ideal, viver o evangelho, que se dá e efetiva no ordinário da vida. Sobre isso afirmam os noviços: “A vivência cotidiana do noviciado é voltada pela dinâmica da oração, trabalho e estudo num ritmo bastante intenso em que colocamos em prática todo o aprendizado que adquirimos desde o primeiro ano de postulantado: assumir a responsabilidade por aquilo que é próprio de nossas vidas e servir com empenho, amor e dedicação o compromisso de ser um religioso franciscano”.
Frei Naum Gabriel, que foi noviço no ano de 2023, também nos presenteia com sua experiência de noviciado. O referido frade, baseado no evangelho de São Marcos 4, 26-29, compara o noviciado como uma terra (terreno) boa no qual se é lançado os noviços, nesse caso, como sementes que buscam produzir bons e muitos frutos. De sua experiência pessoal garante Frei Naum: “A experiência do Noviciado pôde me fazer reconhecer mais as finitudes humanas, os limites e, ao mesmo tempo, as possibilidades de encontrar o agir de Deus em cada uma dessas dimensões. Lançados como sementes na terra, nos deparamos com estas três realidades do texto do evangelista Marcos. A partir das finitudes, pude compreender mais sobre como nós, jovens que estamos buscando corresponder a um chamado de grande amor da parte Deus, com um sim de grande amor da parte do homem. O Noviciado me fez compreender que a resposta a este chamado de amor, mesmo sendo humana, é tanto mais divina, pois se pode reconhecer que o amor de Deus é, verdadeiramente, tanto mais humanado”
Ao modo do Seráfico Pai, Frei Naum Gabriel voltado para encarnação do Verbo Divino que abarca a finitude humana, compreende que integrar e assumir a finitude, realidade compreendida e vivida no noviciado, é uma correspondência ao mistério da vocação. “Ao ver a finitude assumida por Deus no seu Filho, tanto mais abraço e acolho a minha, que foi muito mais bem-vinda a partir do Noviciado”, diz o frade. Todavia, conforme Frei Naum, o confronto com os limites não significa permanecer em situação estática, mas potencialidade de qualificação, mudança e integração humano-espiritual-fraternal. Nesse sentido, Frei Naum testemunha que o noviciado o “ensinou a ofertar a Deus tudo: vitórias e derrotas, conquistas e fracassos, alegrias e tristezas, saúde e enfermidade, carne e vísceras, frutos tenros e mirrados, terra fértil e árida, certezas e incertezas, vícios e virtudes, graça e pecado simultaneamente, cada qual respeitando o seu próprio tempo”.
Frei Walas Silva, que foi noviço em 2021, testemunha sua experiência de noviciado. Segundo o frade, o noviciado foi divisor de águas em seu percurso formativo, pois, sanou experiências que colocam em questão seu modo de pensar e viver o modo franciscano de ser. Frei Walas pontua que as conversas pessoais, quinzenalmente ocorridas com o mestre de noviciado, permitiu-lhe enxergar e exercitar o homem interior. Conforme Frei Walas, os diálogos com o formador o fizeram crescer no amadurecimento espiritual e fraterno; tendo como frutos dessas conversas um equilíbrio emocional e afetivo.
O noviciado para Frei Walas foi o período de alargar, mediante as conversas com o formador, a compreensão sobre si mesmo ao passo que é capaz de afirmar; “carrego comigo um ser humano completo que precisa a cada dia ser confrontado, ouvido, as vezes silenciado, esperado, abraçado, visitado. Ter certeza de que temos muito dentro de nós e que precisamos de muito tempo, muita paciência, disciplina, esperança para alcançar a estatura esperada”.
Outro aspecto importante para Frei Walas no noviciado, uma vez que é um frade que gosta de ambiente natural e rural, foi o trabalho na horta. O frade usava esse ambiente de trabalho como meio para se trabalhar e alargar a sua compreensão que nada está separado, mas há uma interligação em tudo. Ou seja, as experiências, por exemplo de oração, ressoam em tudo aquilo que se faz. A ideia de irmão e irmã tão forte no Seráfico Pai na qual Deus é fonte de tudo e de todos.
Frei Walas sintetiza sua experiência de noviciado com as seguintes palavras: “Creio que a palavra que define meu noviciado seja: relação; como me relaciono comigo mesmo, com todas as minhas questões, como me relaciono com Deus, com a fraternidade e com toda a Criação. Acredito que nosso aprimoramento como ser humano passa por uma abertura relacional, saber discernir e aprender a receber o que o outro tem para dá. Saber que não somente eu, mas, o outro é aquilo que ele é e nada mais, aos olhos de Deus”.
Diante de tão belos e profundos testemunhos, somos forçados a concluir que o tempo de noviciado é o momento da experiência de encontro. Com quem? Com Deus-Crucificado que se nos mostra como um límpido espelho revelador, verdadeiramente, de quem somos e de quem Ele é. “Quem és tu, Senhor e quem sou eu?” Encontrando Deus, a realidade mais próxima de nós que nos mesmos, nos encontramos, encontrando-nos, encontramos todos os irmãos na grande busca de tornar o evangelho vida e regra.
Frei Beneval Soares Bomfim, OFMConv.