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Província

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A Província São Maximiliano M.Kolbe celebrou no dia 02 de agosto de 2023 a festa de Nossa Senhora dos Anjos. A celebração foi realizada na Casa de Formação de Nossa Senhora dos Anjos, em Santa Maria DF. Estiverem presentes frades da Província, o Ministro Provincial fr.Gilberto, os formandos do Postulantado, o Pré-noviciado, os  frades professos e as pessoas da comunidade.

A festa do Perdão de Assis- As indulgências plenárias

Está festa celebra no dia 02 de agosto, a Festa do Perdão de Assis, Santa Maria dos Anjos da Porciúncula, segundo testemunhou Bartolomeu de Pisa, a origem da Indulgência da Porciúncula se deu assim: “Em uma noite linda , do ano do Senhor de 1216, Francisco estava intimamente compenetrado na oração e na contemplação estava mesmo ali na pequena ermida dedicada a Virgem Mãe de Deus, conhecida como igrejinha da Porciúncula, localizada em uma planície do Vale de Espoleto, perto de Assis, quando, de repente, a igrejinha ficou tomada de uma luz vivíssima jamais vista antes, e Francisco viu sobre o altar o Cristo e à sua direita a sua Mãe Santíssima, acompanhados de uma multidão de anjos. Francisco ficou em silêncio e começou a adorar o seu Senhor. Perguntaram-lhe, então, o que ele desejava para a salvação das almas. Francisco tomado pela graça de Deus que ama incondicionalmente, responde: “Santíssimo Pai, mesmo que eu seja um mísero, o pior dos pecadores, te peço, que, a todos quantos arrependidos e confessados, virão visitar esta Igreja, lhes conceda amplo e generoso perdão, com uma completa remissão de todas as culpas”.

O Senhor lhe disse: “Ó Irmão Francisco, aquilo que pedes é grande, de coisas maiores és digno e coisas maiores tereis: acolho, portanto, o teu pedido, mas com a condição de que tu peças esta indulgência, da parte minha, ao meu Vigário na terra (Papa)”. E não tardou muito, Francisco se apresentou ao Papa Honório III que, naqueles dias encontrava-se em Perugia e com candura lhe narrou a visão que teve. O Papa o escutou com atenção e, depois de alguns esclarecimentos, deu a sua aprovação e perguntou: “Por quanto anos queres esta indulgência”? Francisco, respondeu-lhe: “Pai santo, não peço por anos, mas por almas”. E feliz, se dirigiu à porta, mas o Pontífice o reconvocou: “Francisco, não queres nenhum documento”? E Francisco respondeu-lhe: “Santo Pai, de Deus, Ele cuidará de manifestar a obra sua; eu não tenho necessidade de algum documento. Esta carta deve ser a Santíssima Virgem Maria, Cristo o Escrivão e os Anjos as testemunhas”. E poucos dias mais tarde, junto aos Bispos da Úmbria, ao povo reunido na Porciúncula, Francisco anunciou a indulgência plenária e disse entre lágrimas: “Irmãos meus, quero mandar-vos todos ao paraíso!”

 

 

Segunda, 01 Novembro 2021 16:05

02 de novembro: Dia dos Fiéis Defuntos

       Nesta terça-feira, 02 de novembro, celebramos o Dia de Finados. Para entendermos a data, precisamos saber que seu outro nome também é Dia dos Fiéis Defuntos, que remete às tradições do início do cristianismo, sendo encontrados registros a partir do século II, quando em antigas tumbas e lápides podiam se encontrar grafismos com orações para aqueles que estavam enterrados.

       No século V foi separado um dia para orar pelos mortos que não eram mais lembrados e ninguém mais rezava. Mas foi no Século XI durante o pontificado do Papa Leão IX que foi criado um dia onde todos os fiéis deveriam orar aos finados. A data de 2 de novembro seria estabelecida durante o século XIII, pois é logo após o dia de todos os santos. Como no Dia de Todos os Santos oramos por aqueles Santos que não foram lembrados ao longo do ano, no Dia de Finados oramos pelos que morreram e não são lembrados durante todo o ano.

 

Reflexão*

       A celebração do Dia de Finados é momento favorável que permite aos cristãos recordar os irmãos que nos precederam no caminho para a vida definitiva em Deus. Esse dia é propício para agradecermos ao Senhor o dom da vida e a história dos que faleceram, e todo o bem que eles realizaram. Na oração e na saudade, nós cristãos reconhecemos que na morte “a vida não é tirada, mas transformada”. Vivemos da fé exposta nas palavras de Jesus Cristo à Marta: “Teu irmão ressuscitará” (João 11,23).  E contemplamos o mistério de Jesus Cristo, que assumiu a condição humana até a morte, e morte de cruz. Mas, Ele ressuscitou e abriu para todos nós as portas da vida eterna.

       O ser humano celebra ao longo do tempo os principais acontecimentos de sua existência. As datas de aniversários são especiais: dia do nascimento, do batismo, do casamento, da formatura… Também recordamos o dia da morte das pessoas queridas. Nesse caso, recordamos a vida daquela pessoa, o significado dela para nós, o quanto ela nos marcou e nos deixou de saudade.

       É como se o calendário fosse um imenso corredor com 365 janelas.  Através de cada janela podemos contemplar diversos acontecimentos. Naquela do dia 2 de novembro, contemplamos o mistério da morte e da esperança na ressurreição. O cristão vive desta fé: nascemos não para morrer, mas para ressuscitar. A vida, que se inicia com a fecundação e é gestada no útero materno, passa pelo útero da terra e desabrocha na imensidão do colo de Deus, capaz de acolher filhos e filhas amados e perdoados. É sabido que alguns receiam olhar por esta janela. Julgam-na muito triste, têm superstição e medo. Queira Deus, todos alcancemos a maturidade espiritual e a completude interior de Francisco de Assis. Ele estabeleceu uma relação de paz com a própria morte, ao tratá-la de “irmã”, no seu Cântico das Criaturas: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal, da qual homem algum pode escapar”.

       Amadurecidos na fé, nós, os cristãos, abrimos esta janela do Dia de Finados com o coração aquecido pela palavra de Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (João 11,26). Com humildade, nesse dia, vamos ao cemitério onde foram “plantados” os irmãos e irmãs que passaram pela morte. Com reverência pela memória de cada um ali sepultado, fazemos nossas orações. Recolhamo-nos no silêncio diante do mistério da vida e deste passo doloroso que toca a todos os seres vivos: a morte.

       Somos chamados a proclamar o imenso amor de Deus. Ele não deixa a semente da vida morrer em nós. Mas, na força do seu Espírito, ressuscita o “grão de trigo caído na terra” (João 12,24). Quando partirmos, nosso corpo mortal também será depositado na terra. Enquanto esse momento não chega, “não nos cansemos de fazer o bem” (Gálatas 6,9). Celebremos, pois, o Dia de Finados. Não fujamos dessa ritualidade cheia de significados. Recordemos que a nossa fé se fundamenta n’Aquele que morreu e está Vivo, Jesus Cristo, o Senhor!

 

Fontes: Nossa Sagrada Família.

*Retirado do artigo de Dom João Justino de Medeiros Silva, Arcebispo Coadjutor de Montes Claros (MG). Leia aqui.

Segunda, 18 Outubro 2021 13:32

Fundação da Milícia da Imaculada

       Em 16 de outubro de 1917, no Colégio Seráfico Internacional, em Roma-Itália, o jovem frei Maximiliano Kolbe, junto com outros seis jovens frades, todos reunidos em um pequeno quarto, fundam a Milícia da Imaculada, com o objetivo de "Conquistar o mundo inteiro para Cristo através da Imaculada", usando de todos os meios lícitos, principalmente dos meios de comunicação.

       Em um pedaço de papel, frei Maximiliano escreve os principais pontos do movimento que acabava de fundar: "Milícia da Imaculada. Ela esmagará a tua cabeça (Gênesis 3,15). Sozinha venceste todas as heresias no mundo inteiro". Uma jaculatória, uma medalha e a conversão de toda a humanidade, aliás, sua santificação. Diante de um tempo em que acontecia no mundo uma grande atividade anticatólica, na qual se destacavam os maçons, Frei Maximiliano se dá conta de que era necessária uma renovação espiritual.

       O seu objetivo era fazer com que todos os homens se convertessem a Deus, mesmo aqueles não católicos e descrentes, em especial os maçons; e que todos se tornassem santos, sob a proteção e pela mediação da Virgem Imaculada. Logo depois de fundada, foi reconhecida oficialmente pela Igreja. Em 1919, o Papa Bento XV abençoou esse Movimento Mariano. Em 1922 foi aprovada como “associação piedosa” (Pia União).

       Em 1926 o Papa Pio XI cumulou-a de várias indulgências. Em 1975 a Santa Sé aprovou os Estatutos da MI ajustados às exigências do Concilio Vaticano II, não alterando, porém, o programa do Movimento, formulado pelo próprio fundador e em 1997 foi aprovada como Associação Pública de Fiéis pelo Papa João Paulo II. Hoje temos a graça de nos reunirmos para celebrar junto com os mílites do mundo inteiro a fundação deste movimento que continua vivo, por meio do apostolado de cada fiel consagrado que reconhece em Maria medianeira de todas as graças o caminho para o projeto salvífico de Cristo!

assinatura marcelo

Fonte: jardimdaimaculada.com.br

       Hoje, 04 de outubro, a Igreja celebra o Nosso Pai Seráfico, São Francisco de Assis, o fundador da Ordem dos Frades Menores. Francisco nasceu em Assis, na Itália, no ano de 1182, sendo filho de um rico comerciante, Pedro Bernardone e de Dona Pica. Foi batizado em Santa Maria Maior (antiga catedral de São Rufino), inicialmente, com o nome de João (Giovanni), mas seu pai mudou de ideia devido às viagens comerciais que fazia à França. Era um jovem alegre que gostava da vida boêmia em que participava de muitas festas e banquetes, sendo muito popular entre os jovens de sua cidade. Desejava a glória da nobreza e, para isso, deveria participar das guerras que eram comuns nas lutas de poder de sua época. Bernardone desejava que o filho enobrece a família trazendo pra casa o heroísmo conquistado nas batalhas.

       No entanto, na primeira batalha caiu prisioneiro. No cárcere insalubre, ficou por cerca de um ano. Ao retornar, até continuou a curtir a vida de festas que levava antes, mas dessa vez, a diversão não durou muito. Devido as condições às quais fora exposto na prisão, ficou doente. Enfermo, o jovem refletiu sobre o significado de sua vida e, quando melhorou, não era mais o mesmo Francisco: as diversões do século que antes lhe preenchiam o coração, agora eram sinônimo de uma felicidade frívola, vazia e efêmera. Deus buscou atentá-lo ao significado de sua vida e missão na Terra assim. Mesmo assim, o jovem de Assis ainda ansiava pela glória das guerras. E, mais uma vez decidiu se aventurar.

 O chamado

       Antes de partir, Francisco doou a sua cara armadura preparada pelo seu pai a um companheiro mais pobre que também participaria da batalha. Durante a viagem, adoeceu mais uma vez. Com febre, pensou ter ouvido a voz de Deus a falar com ele:

       – Francisco, o que é mais importante, servir ao Senhor ou servir ao servo?

       – Servir ao Senhor, é claro – respondeu.

       – Então, por que te alistas nas fileiras do servo?

       – Senhor, o que quereis que eu faça?

       – Volta a Assis – lhe diz a voz – e ali te será dito.

       Retornou mais uma vez à sua cidade, desafiando o desdém dos vizinhos e a fúria de seu pai. Inquieto com o chamado de Deus, passou a dedicar-se à oração. Peregrinou por muitos lugares em busca de respostas. Em uma viagem à Roma, em 1205, indignou-se com a baixa quantia de ofertas na tumba do Apóstolo São Pedro e deixou um punhado de moedas, contrastando com a pequena quantidade deixada por outras pessoas. Ainda na capital italiana, teve a sua primeira experiência de pobreza: sensibilizado com a situação de um mendigo, trocou suas nobres vestes com ele e trajou as suas roupas sujas e esfarrapadas.

       Todos já estavam preocupados com ele. Havia enlouquecido o filho do comerciante? Frequentava cada vez mais a velha Capela de São Damião, que ficava no campo. Num certo dia, na estrada de Assis que levava até à igreja, ele deparou-se com um leproso, um ser que lhe causava grande e indescritível nojo. Entretanto, dessa vez era diferente. Francisco estava diferente. Como se estivesse movido por força maior, desceu do cavalo e pôs um saco de moedas nas mãos sangrentas daquele pobre. E, num gesto de compaixão, beijou-o. Sobre esta ocasião, ele disse “O que antes me era amargo, mudou-se então em doçura da alma e do corpo. A partir desse momento, pude afastar-me do mundo e entregar-me a Deus”.

 

A Renúncia

       Certo dia, rezando aos pés do crucificado na Capela de São Damião, ouve uma voz saindo direto do crucifixo “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas”. Não entendendo o real significado deste chamado, foi à sua casa, pegou alguns pertences e os vendeu por um preço muito abaixo do que valiam. Foi ao sacerdote da capela e se ofereceu para reconstruir com as próprias mãos o local, que estava malconservado. Seu pai ficou irado com esta atitude. Há algum tempo ele já vinha dando desfalques na loja de Bernardone, pegando mercadorias e doando aos necessitados, mas agora era pior, ele estava envergonhando toda a sua família.

       Irado, Pedro Bernardone busca o jovem à força, castiga-o fisicamente e o prende num cubículo em baixo da escada de sua casa, acorrentado pelos pés. Mas sua mãe, Dona Pica, em compaixão para com o filho, soltou-o. Liberto, ele passou a se dedicar à mendicância de dinheiro e pedras para a reconstrução da capela, enquanto se escondia de seu pai. Sem mais alternativas, Bernardone recorreu ao Bispo de Assis em julgamento contra o filho. A audiência aconteceu na praça comunal da cidade, local em que seu pai lhe deu as alternativas de ou voltar com ele ou abdicar de sua herança e devolvesse tudo que havia recebido dele. Para a surpresa de todos, Francisco disse “As roupas que levo pertencem também a meu pai, tenho que devolvê-las". Assim, ele começou a tirar os seus trajes. Um a um e, estando nu, disse “Até agora tu tens sido meu pai na terra, mas agora poderei dizer: ‘Pai nosso, que estais nos céus”. O Bispo, admirado com o feito, o acolheu em seu manto.

A Missão

       Cada vez mais distante dos familiares e amigos, o Pobrezinho de Assis agora realizava trabalho pastorais e atuava na reconstrução de igrejas da região. À essa altura, questionava a si mesmo “O que mais Deus haveria de querer para mim?”, já que ainda não tinha tido completamente as respostas as quais buscava antes de receber o primeiro chamado do Senhor. Já na restauração da última capela de sua localidade, a sua tão cara Porciúncula, a Igrejinha de Santa Maria dos Anjos, ouviu o Evangelho na Santa Missa “sem túnicas, sem bastão, sem sandálias, sem provisões, sem dinheiro no bolso …” (Lc 9,3). Essa palavra tocou de tal forma o jovem de Assis que, finalmente, ascendeu-se nele a luz do seu chamado, “É isso que quero! É isso que desejo de todo o coração!” e, pouco depois, passou a vivenciar a sua obra: o seguimento puro do evangelho.

       Seu modo de vida passou a intrigar a muitos. Um destes foi Bernardo de Quintaval, o primeiro irmão. Bernardo, havia questionado ao Povorelo se poderia acompanha-lo em sua obra. Para responder, Francisco recorreu ao Evangelho. À caminho da Santa Missa acompanhado de Bernardo e Pedro de Catânia, ele abriu a Bíblia e recebeu as seguintes respostas:

       “Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres. Depois vem e segue-me” (Mt 19,21).

       “Não leveis nada pelo caminho, nem bastão, nem alforge, nem uma segunda túnica…” (Lc 9,3).

       “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (Mt 16,24).

       Então, decidiu São Francisco, “Isto é o que devemos fazer e é o que farão todos quantos quiserem vir conosco”. Este foi o início da Fraternidade dos Irmãos Menores, em 24 de fevereiro de 1208.

Fraternidade

       Aos poucos muitos foram se juntando a eles e, em 1209, estes mendicantes foram à Roma, pedir a aprovação de seu modo de vida. Inocêncio III admirado com Francisco, não só aprovou a ordem, como o reconheceu como o homem de um sonho que teve em que este segurava as colunas da Igreja de Latrão (a mãe de todas as igrejas), que estava em ruínas. Em 1212, entre os dias de 18 e 19 de março, na noite de domingos de Ramos, a nobre Clara di Favarone foge de casa e é recebida na Porciúncula. Santa Clara torna-se a primeira mulher a ser recebida na Ordem.

       A Ordem crescia cada vez mais, principalmente após a entrada de Santa Clara e suas companheiras e o seguimento de muitos cristãos leigos que, mesmo já tendo se casado, estavam admirados com o movimento franciscano. Em 1219, Francisco vai ao acampamento do sultão do Egito, Melek-el-Kamel e tem uma importante conversa com ele. Um dos pontos que mais impressionavam a todos no movimento, não era somente à minoridade ou o seguimento radical do evangelho, mas a fraternidade universal do franciscanismo. O Pai Seráfico via em todas as criaturas e na criação, vestígios do próprio criador. Se Deus os fez, estes eram maravilhosos! E por todos Francisco tinha amor igualmente.

Últimos momentos

       Em 1224, no período de 15 de agosto a 29 de setembro, Francisco, com Frei Leão e Frei Rufino, passa no Alverne, preparando-se com uma quaresma de oração e jejum para a festa de São Miguel Arcanjo. Em setembro, tem a visão do Serafim alado e recebe os estigmas. Seu estado de saúde piora muito após este ano.

       Era final de agosto, em 1226, pede para ser levado à Porciúncula. Chegado à planície, lança sua bênção sobre Assis. Nos últimos dias de vida, dita o Testamento, autotestemunho de incalculável valor para a vida e os propósitos de homem tão singular. No dia 3 de outubro, à tarde, Francisco, morreu cantando “mortem suscepit”. No domingo seguinte, 4 de outubro, é sepultado na igreja de São Jorge, na cidade de Assis, mas o cortejo fúnebre passou antes pelo mosteiro das Clarissas. No dia 16 de julho de 1228, Francisco foi canonizado.

 

       Aconteceu ontem (30), na Capela do Seminário São Francisco de Assis, a Santa Missa em ação de graças pelos aniversários de Frei Gilberto de Jesus (OFMConv), Frei Jaiton Docílio (OFMConv) e Frei Cristiano Freitas (OFMConv). A Santa Missa foi presidida pelo Ministro Provincial e aniversariante, Frei Gilberto de Jesus, e concelebrada pelos demais frades presentes. Também marcaram presença alguns padres diocesanos, as Irmãs Franciscanas da Sagrada Família de Maria, e os formandos de nossas Casas de Formação.
       Após a Santa Celebração, aconteceu um almoço fraterno, partilhado entre os presentes. Cantaram os parabéns aos frades e fizeram-lhes felicitações por seus aniversários.

       Aconteceu entre os dias 20 e 24 de setembro a primeira fase do Capítulo Ordinário da Província São Francisco de Assis de São Paulo. O capítulo foi realizado na casa de Retiros São Francisco de Assis, em Campo Largo (PR). Durante os três primeiros dias, aconteceram as leituras dos relatórios e debates entre os 47 frades presentes sobre diversos temas.

       Na quinta feira pela manhã, aconteceu a eleição do novo Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis, tendo sido eleito o Frei José Hugo da Silva Santos (OFMConv). Frei Hugo assume, aos 40 anos, o serviço que foi do Frei Aloísio de Oliveira (OFMconv).

       O novo Ministro Provincial é graduado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Administração de Empresas. Nos últimos oito anos ele foi escolhido para ser ecônomo provincial, onde realizou um trabalho extremamente positivo à Fraternidade Provincial.

       Participam desta assembleia 47 frades, entre eles Frei Rogério Xavier (assistente geral da Federação dos Conventuais da América Latina-FALC), que presidiu as sessões, e três freis convidados: Frei Clevis Mafra dos Santos (Custódio Provincial da Custódia São Boaventura do Maranhão); Frei Ronaldo Gomes da Silva (Custódio Provincial da Custódia Imaculada Conceição no Rio de Janeiro) e Frei Gilberto de Jesus Rodrigues (Ministro Provincial da Província São Maximiliano Kolbe do Distrito Federal).

       Que o bom Deus lhe conceda saúde e sabedoria para a condução da vida Provincial!

       O dia 21 de setembro é dedicado à árvore. Impulsionados pela Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação da Província, os frades da Casa de Formação São Francisco, juntamente com a Ordem Franciscana Secular, se dirigiram ao Mosteiro de Santa Clara do Deus Trino, em Brazlândia (DF) para plantar mudas de ipês.

       O dia foi marcado com o louvor a Deus pela criação e, logo após iniciou-se o plantio de mudas de Ipê em frente ao referido Mosteiro.

       Esse é um dia de conscientização do valor da criação. Ao plantar uma árvore, estamos cuidando de toda a criação. Valorizamos a vida. Que todos nós cheguemos à consciência do cuidado da nossa Casa Comum que está doente.

Terça, 21 Setembro 2021 13:26

O Franciscanismo e o Apostolado

                Paz e Bem, estimados irmãos e irmãs! Como é agradável refletir sobre O Ser Franciscano, o jeito de viver esta Espiritualidade que por um pouco mais de 800 anos encanta, atrai e conquista os corações, e a partir desta Espiritualidade, transmitirmos o Franciscanismo com a nossa vida, de uma forma de apostolado em todos os ambientes que tivermos acesso, e de todas as formas. A forma e a regra de vida de todo franciscano consistem em viver o Evangelho de Jesus Cristo, em obediência, sem nada de próprio e em castidade, por aí já temos um vislumbre do quanto somos impulsionados para testemunharmos no mundo os valores que nosso Mestre Jesus Cristo nos deixou e que nosso Pai Seráfico São Francisco assumiu viver e transmitiu aos seus primeiros seguidores até os dias atuais, de forma simples, humilde e alegre de ser discípulo.

                Sabemos que após sua conversão, nosso Pai São Francisco de Assis, impelido pelo Espírito Santo no desejo de seguir a Jesus Cristo, vivendo o Evangelho na sua simplicidade, desejando em tudo cumprir a Vontade do Senhor que o chamou e escolheu para ter A Nova Vida, ele teve dúvida sobre de que forma deveria caminhar com Cristo, se deveria se dedicar à oração, recluso, para assim buscar nesta forma poderosa de intercessão alcançar a purificação das almas, ou se deveria assumir o apostolado da pregação, da evangelização, compartilhando com os filhos de DEUS as maravilhas da Palavra, para levar a muitos à conversão e assim, à salvação.  E nesta dúvida que o atormentava, ele, na sua sublime humildade, pediu que Frei Silvestre e Santa Clara intercedessem sobre esta causa, para que não fosse uma escolha pessoal dele, mas uma decisão que viria do alto.  E assim, ambos em oração tiveram a revelação divina de que a missão de São Francisco deveria ser o apostolado da pregação, o Arauto de Cristo deveria ir pregar pelo mundo. Assim, ao receber esta resposta divina, São Francisco começa sua pregação num bosque para os pássaros, levando a Palavra de DEUS para estas criaturas que louvam o Senhor com seus cantos. Depois saiu pregando para as vizinhanças, e assim por diante, não mais cessou de levar os ensinamentos da Palavra de DEUS a todas as criaturas que encontrassem em seus caminhos. (LEGENDA MAIOR 12)

                Assim começa a forma de viver o Evangelho, segundo São Francisco de Assis, no apostolado de evangelização, de partilha da Palavra, e vale à pena ressaltar aqui, que há 800 anos a Bíblia não era um Livro para todos, e alguns poucos sabiam ler em Latim, mas São Francisco de Assis não se deixou estagnar para compartilhar o seu entendimento de Jesus Cristo para os fiéis. A Evangelização devia acontecer, o testemunho com a própria vida de humildade, alegria e pobreza também deveria ser uma forma de apostolado, e por isso muitos foram cativados, e são até hoje conquistados por esta forma de apostolado genuinamente franciscana de transmitir DEUS a todos num simples colóquio fraterno, não somente nos púlpitos. Ir ao encontro dos que estão distantes das Igrejas, Catedrais, Assembleias, e que também merecem se alimentar com A Palavra de DEUS, conhecer a Vida do Messias que ama e escolhe os mais pequeninos para segui-lo, dando importância às pessoas sem discriminação e a toda criação ao redor, pois tudo é obra perfeita de DEUS e merece toda atenção e cuidado.

                 Com isso, percebemos que o Franciscanismo tem um Apostolado vasto, anunciar o Evangelho, testemunhar com a vida o amor A Cristo, nosso Mestre e seus ensinamentos de diversas formas e maneiras e para todos, com simplicidade e alegria, foi a forma perfeita que nosso Seráfico Pai assumiu e ensinou aos seus seguidores e seguidoras a viverem nestes mais de 800 anos de História. São Maximiliano Maria Kolbe representa para nós esta forma de apostolado com todas as ferramentas que a sociedade do Século XX dispunha para tal. Levando a Mensagem Cristã e Franciscana por meio de revistas, visitando outros países, querendo conquistar o Mundo para Cristo pela Imaculada, no desejo incansável de salvar almas, se torna para nós a certeza de que o Apostolado Franciscano perdura nos corações dos que abraçam a Causa do Reino de DEUS. Hoje somos os responsáveis para darmos continuidade neste apostolado, por meio das redes sociais, das diversas formas de transmissões online de pregações, cantos, e eventos que entram nas casas por rádios, TV’s e Internet em celulares e notebooks. O nosso apostolado continua vivo, forte e mais intenso diante da realidade da pandemia do COVID-19, nós tivemos que reinventar a forma de evangelizar e de chegar aos irmãos e irmãs, em suas casas, já que não podíamos estar reunidos na Igreja para celebrações e reuniões. O ser Franciscano e viver o seu apostolado é isso, evangelizar incansavelmente com a vida, e se quando necessário, usar A Palavra, os ensinamentos do nosso Mestre maior, Jesus Cristo e os exemplos perfeitos do nosso Pai Seráfico São Francisco de Assis. Que tenhamos sempre a alegria de anunciar, pregar e testemunhar que somos felizes vivendo este apostolado de levar Paz e Bem ao mundo inteiro e a toda criatura.

 

Fraternalmente,

Frei Regildo Piedade, OFMConv.

 

 

               

     Neste dia 17 de setembro, a Família Franciscana celebra, em todo o mundo, a festa da Impressão das Chagas, também chamada de Estigmas de São Francisco de Assis. A introdução litúrgica da Missa e Liturgia das Horas diz o seguinte:

     “O Seráfico Pai Francisco, desde o início de sua conversão, dedicou-se de uma maneira toda especial à devoção e veneração do Cristo crucificado, devoção que até a morte ele inculcava a todos por palavras e exemplo. Quando, em 1224, Francisco se abismava em profunda contemplação no Monte Alverne, por um admirável e estupendo prodígio, o Senhor Jesus imprimiu-lhe no corpo as chagas de sua paixão. O Papa Bento XI concedeu à Ordem dos Frades Menores que todos os anos, neste dia, celebrasse, no grau de festa, a memória de tão memorável prodígio, comprovado pelos mais fidedignos testemunhos.”

     A vida de Francisco no Alverne foi oração e ininterrupta penitência. Sentiu-se pobre e pecador. Quis despojar-se de tudo. Renunciou até mesmo a um manto que tinha sido salvo do fogo, a única coisa que tinha para cobrir-se durante o breve repouso da noite. Francisco voltara muitas vezes ao Alverne para encontrar a paz em Deus que a situação da Ordem e o fato de estar no meio dos homens não lhe davam e entregar-se de corpo e alma à oração.

     No verão de 1224, última vez que esteve no Alverne, Francisco procurou um lugar ainda mais “solitário e secreto” no qual pudesse, mais reservadamente, fazer a quaresma de São Miguel Arcanjo. Na manhã de 14 de setembro de 1224, os céus se abriram e Cristo crucificado desceu ao Monte Alverne na forma de um serafim.

Frei Regis explica o sentido e o significado:

     Mais do que desvendar o caráter histórico das Chagas de São Francisco, importa refletir sobre a experiência de vida que se esconde sobre este fato. O que significa a expressão de Celano “levava a cruz enraizada em seu coração”? O que isso significou para o próprio Francisco? Há um significado para nós hoje, naquilo que com ele ocorreu?

     Um erro comum é o de ver São Francisco como uma figura acabada, pronta, sem olhar para a caminhada que ele fez até chegar à semelhança perfeita (configuração) com o Cristo. O que ocorreu no Monte Alverne é o cume de toda uma vida, de uma busca incessante de Francisco em “seguir as pegadas de Jesus Cristo”. Francisco lançou-se numa aventura, sem tréguas, na qual deu tudo de si: a vontade, a inteligência e o amor. As chagas significam que Deus é Senhor de sua vida. Deus encontrou nele a plena abertura e a máxima liberdade para sua presença.

     O segundo significado das chagas é o de que Deus não é alienação para o ser humano, ao contrário, é sua plena realização e salvação. Colocando-se como centro da própria vida é que o homem se aliena e se destrói; torna-se absurdo para si mesmo no fechamento do seu ‘ego’. O homem só encontra sua verdadeira identidade, sua própria consistência e o sentido de sua existência em Deus. E Francisco fez esta descoberta: Jesus Cristo foi crucificado em razão de seu amor pela humanidade – “amou-os até o fim” – , e ele percorre este mesmo caminho.

     O terceiro significado: as chagas expressam que a vivência concreta do amor deixa marcas. A exemplo de Cristo, Francisco quis suportar/carregar e amar os irmãos para além do bem e do mal (amor incondicional). Essa atitude o levou a respeitar e acolher o ‘negativo’ dos outros mantendo a fraternidade apesar das divisões. Esse acolher e integrar o negativo da vida é a única forma de vencer o ‘diabólico’, rompendo com o farisaísmo e a autossuficiência, aniquilando o mal na própria carne. Só assim, o homem é de fato livre, porque não apenas suporta, mas ama e abraça o negativo que está em si e nos outros.

     O quarto significado: seguir o Cristo implica em morrer um pouco a cada dia: “Quem quiser ser meu discípulo, tome a sua cruz a cada dia e me siga” (Lc 9,23). Não vivemos num mundo que queremos, mas naquele que nos é imposto. Não fazemos tudo o que desejamos, mas aquilo que é possível e permitido. Somos chamados a viver alegremente mesmo com aquilo que nos incomoda, vencendo-se a si mesmo e integrando o ‘negativo’, de modo que ele seja superado. Nós seremos nós mesmos na mesma medida em que formos capazes de assumir nossa cruz. As chagas de São Francisco são as chagas de Cristo, e elas nos desafiam: ninguém pode conservar-se neutro, sem resposta diante da vida.

     São Francisco não contentou-se em unicamente seguir o Cristo. No seu encantamento com a pessoa do Filho de Deus, assemelhou-se e configurou-se com Ele. Este seu modo de viver está expresso na “perfeita alegria”, tema central da espiritualidade franciscana: “Acima de todos os dons e graças do Espírito Santo, está o de vencer-se a si mesmo, porque dos todos outros dons não podemos nos gloriar, mas na cruz da tribulação de cada sofrimento nós podemos nos gloriar porque isso é nosso”.

Por franciscanos.org.br

Quarta, 15 Setembro 2021 18:05

Vocação Franciscana e Sagradas Escrituras

EM NOME DO SENHOR!

     A vocação é compreendida e experenciada verdadeiramente quando está enraizada na palavra de Deus, Jesus Cristo. Neste primado, compreendemos que a vocação originalmente é uma referência que vem, não de nós, mas sim da pura gratuidade do mistério de Deus. O ato de chamar é uma iniciativa divina para a vocação humana, isto é, reunir a nossa decisão ao projeto de Deus. Logo, podemos conceber a vocação franciscana, que possui este itinerário na vida de São Francisco de Assis, onde mais que uma doutrina, o Evangelho é uma vida.

     O fundamento evangélico da vida franciscana encontra-se na vida de Cristo. Para isto, deparamo-nos com a vida e a regra dos Frades Menores escrita por Francisco: “Em nome do Senhor! Começa a Vida dos Frades Menores A Regra e a Vida dos Frades Menores é esta: observar o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em castidade. Frei Francisco promete obediência e reverência ao senhor Papa Honório e a seus sucessores canonicamente eleitos e à Igreja Romana. E os outros Irmãos atenham-se em obediência a Frei Francisco e a seus sucessores” (RB 1-4). A frase que apresenta a moldura para todas as ações “Em nome do Senhor”, na qual, não é uma prescrição de normas, mas sentido de ser.

     O ponto de vista é jamais perder a vivência do Evangelho anunciado por cada letra da sagrada escritura. Nisto, a existência de Francisco ecoa como preparação própria da vivência de Cristo no presépio, na eucaristia e na Cruz, entrelaçado numa única esfera, testemunhar o Cristo. Aqui, meus irmãos, a regra não ensina somente aos frades, mas a todos aqueles, que genuinamente, abraçam o carisma franciscano.

     Sendo assim, a relação entre vocação franciscana e sagrada escritura converge na vivência do Evangelho. O caminho é construído pela escuta e obediência, que por sua vez, move o coração humano na configuração a Cristo, a qual, coincide na concretude de cada história do ser humano.

     A realidade do Evangelho perpassa pela primazia do amor a Deus e ao próximo. No Testamento, o próprio santo abraça a vida em Cristo no exercício da caridade para com os leprosos: “O Senhor deu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência assim: como estivesse em pecado, parecia-me demasiadamente amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo, converteu-se em doçura da alma e do corpo; e, em seguida, detive-me por um pouco e saí do mundo” (T. 1-3).

     Por estas palavras, nota-se que não fora apenas um encontro, mas coabitação em ser, um com eles, experienciar misericórdia, viver e participar do mais profundo com o outro, e nisto, transformar o coração em Deus, que se doa por inteiro. A força de persistir no propósito é firme, tem raiz, não é uma ideia, algo sem força de trabalho, é fruto da vida em oração em corresponder com o chamado de Deus para o amor.

     Os dois pontos dos escritos de Francisco revelam a centralidade para todos aqueles que discernem seu seguimento pelo carisma franciscano. Consequentemente, o oxigênio para o encontro com o próximo nasce na pessoa do Cristo pobre, humilde e casto, que revela o rosto de cada irmão e irmã em meio as veredas do existir.

     O ponto que não podemos deixar de assumir é a relação fraterna, tão importante para o Pai Seráfico gerado na minoridade. A aplicabilidade do coração possibilita a essência sobre o mandamento do amor – “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34-35) – onde cada irmão que se aproxima, em sua diferença, ajuda na vitalidade em crescer na minoridade diante das dificuldades e alegrias da vida fraterna.

     Portanto, a proposta salvífica testemunhada por Francisco, não nasce de um dia para outro, como aqui meditamos, é uma resposta na prática da vida pelo caminho da humildade, em que, a nossa grandeza está na glória da Cruz de Cristo para atingir o grau da verdadeira felicidade proposta ao coração humano. Diante disso, São Francisco nos ensina a crescer na vocação pela paciência do amor buscando coincidir o dom da vida com a vida de Cristo, expressa na sagrada escritura, no encontro com o próximo na voz da Igreja. Que o Senhor nosso Deus, pela intercessão de Maria Santíssima nos conceda a graça da perseverança neste percurso, onde a nossa decisão, como amigos de Deus, seja encarnada no mais profundo do existir. Paz e Bem!

 

Por: Frei Christian César, OFMConv.

Serviço de Animação Vocacional

                                                                                          Víctor Ml. Mora Mesén, OFM Conv.

 

     Ao contrário do que se defende em círculos com pouco conhecimento da literatura que conhecemos como Bíblia, o pensamento unitário ou eminentemente doutrinário-axiomático está totalmente ausente nos livros que a compõem.[1] É importante sublinhar um fato, a Bíblia é composta por uma grande variedade de textos, cujas características diferem: datas de composição, estilos e formas literais, materiais, temas, ideologias, processos editoriais e ainda foram escritos em diversas locações. Na verdade, esta coleção inclui textos que foram compostos aproximadamente do século V AEC à primeira metade do século I EC.

     A problemática do surgimento desta coleção e dos problemas que cada livro apresenta para a sua compreensão e para a delimitação histórico-cultural do seu contexto vital, é muito complexa e diversificada. Narrações, leis, pronunciamentos proféticos, hinos, cânticos, orações, poemas, cartas, biografias antigas (as chamadas "Vitae" nos estudos greco-romanos) e muitos outros gêneros literários, são complementados por diversidades de óticas, polêmicas, símbolos, costumes, relações entre povos e concepções religiosas. Por que essa complexa coleção foi formada e por que ela é sustentada como fonte de inspiração para as religiões judaica e cristã (sim esquecer outras influências da Bíblia em diferentes manifestações religiosas, como o Islã, ou movimentos religiosos não necessariamente confessionais), ou simplesmente para pessoas marginais a qualquer tipo de fé?

     Perguntar-se por estas questões é mais que legítimo, pois a Bíblia tinha servido a muitos propósitos, que vão desde o desenvolvimento das mais belas manifestações do ser humano (não solo como experiência religiosa pessoal ou comunitária, de humanismo e doação, mas também como inspiração estética, literária e mesma política), até posições intransigentes que causaram muitas injustiças. Mas não é culpa da Bíblia que tinha sido manipulada, porque não é uma obra nascida com um proposito unidirecional, ou seja, um escrito com um marcado interesse ideológico absoluto. E não é que estão ausentes ideologias nesta coleção de livros [2], mas sim que a dinâmica literário-cultural [3] desta coleção oferece um espaço de interpretação irregularmente poliédrica: com pontos de contato, distanciamentos e perplexidades, ambiguidades e mesmo contradições. Mas qual é a origem dessa complexidade e por que, em determinado momento da história,[4] lhe foi reconhecida uma identidade unitária?

A experiência de vida e o encontro com Yahweh

     Se quiséssemos encontrar um ponto de contato entre todos os livros desta coleção, não existe dúvida de que o que os aproxima é a referência à vida humana. É falso indicar que o ponto fundamental em todos os livros é Deus. Na verdade, o Cântico dos Cânticos não faz menção dele. [5] Em muitas narrativas, as vicissitudes dos personagens principais são descritas, mas apenas em algumas passagens a intervenção de Deus é direta. A melhor descrição que se pode fazer dos textos é que são obras que se referem à experiência da vida humana. Nela, porém, também ocorre um encontro com Deus.

     Como esse encontro nos é apresentado na Bíblia? Como surpresa e provocação. É interessante que todos os textos nos quais é feita referência direta a Deus, primeiro tenham uma descrição das circunstâncias vitais em que o encontro com ele ocorre. A Bíblia se apresenta a nós como história, [6] mas não como História de Salvação, como se costumava dizer, mas como espaço onde se realizam uma multiplicidade de encontros. Esses encontros ocorrem entre indivíduos, nações, culturas, costumes e religiões. Por esta razão, também encontramos tensões humanas no nível doméstico ou comunitário; pressões políticas (com seus conflitos irremediáveis: lutas, sede de poder e guerras); choques culturais que geravam a rejeição de certos grupos; influências do pensamento oriundas de culturas com maiores recursos econômicos, que permitiam uma maior produção cultural; conflitos religiosos entre praticantes da mesma religião ou desacordos com religiões de outros povos; e muitas outras coisas.

     É nessa vida experimentada que surge de repente uma presença que se torna palavra e promessa. A esta altura, o leitor destas linhas terá percebido que não estamos seguindo simplesmente a ordem dos livros e histórias que aparecem na apresentação atual da Bíblia. Escolhemos outra forma de descrever sua identidade, para tentar situar no âmbito da composição a evolução das ideias e conceitos finalmente expressos na ordem canônica da coleção. Isso por duas razões, a primeira delas é evitar cair na armadilha de considerar os textos bíblicos como obras imutáveis ​​desde sua criação original. Na verdade, os livros passaram por várias etapas em seu processo de composição, porque uma tradição escrita também suscitava novas interpretações que pretendiam atualizá-la de acordo com uma realidade em mudança.[7] Em outras palavras, as provocações da história e o encontro com Yahweh fizeram com que os editores das obras bíblicas fossem sempre desafiados a revisar algumas visões que eram deficientes para uma compreensão mais abrangente de sua própria experiência de vida.

     Sem a experiência de vida, o encontro com Yahweh seria inócuo e até irrelevante. Talvez este seja o ponto central para entender o porquê do caráter unitário da coleção. Somente aqueles que são capazes de contemplar a vida, com suas inúmeras voltas e reviravoltas, pode estar aberto à experiência de algo que lhes supera e transcende. Esta sensibilidade especial é o que está na base do encontro com Yahweh, que longe de ser uma espécie de consolação fácil o de resposta existencial indiscutível para a existência, se manifesta sempre como una proposta o uma provocação para empreender um caminho em direção ao futuro.

     Neste ponto, porém, teríamos que fazer uma pausa para nos perguntar qual foi a concepção de história que os autores dos textos bíblicos tiveram. Certamente não é uma concepção linear e evolutiva tipicamente ocidental e moderna. Enquanto para nós o futuro é visto como uma meta alcançável, para a mentalidade semítica é algo inexistente. O que existe é o que é vivido, e o que aconteceu é algo que se contempla para deduzir os destelhes do que poderia ser a vida humana. Por isso, a experiência está na base do pensamento bíblico. Sem ele, nem mesmo é possível falar de Deus. Para os autores bíblicos, é na construção da memória da experiência vital que se dá o processo de discernimento do real. O pensamento utópico moderno não é típico do pensamento bíblico. Mas também não é o relativismo ou a impossibilidade de sonhar com o futuro. O passado nos permite vislumbrar os caminhos da consolidação do humano ou do fracasso nascido da injustiça e do egoísmo.

     Em que sentido, então, o encontro com Yahweh é uma provocação? Em que a experiência precisa ser reinterpretada a partir das possibilidades do humano, não da aceitação submissa do fracasso. Yahweh amplia o olhar para compreender a experiência e possibilita a construção de uma nova memória, que se baseia na contemplação progressiva dos fatos que demonstram o sucesso do empreendimento de liberdade e justiça.

Yahweh, o Deus que guia para a liberdade

     Certamente, a experiência do êxodo é a chave interpretativa da religião judaica. Os membros do povo judeu precisavam basear sua própria identidade como memória, não só de suas origens, mas também de toda a humanidade. De onde vem essa necessidade de universalismo? A experiência histórica de Israel foi marcada pelo surgimento da monarquia e pela constituição de uma nação. A figura do rei era um símbolo importante como garantia da unidade de um grupo de tribos com diferenças mais ou menos definidas. Mas a divisão do reino davídico-salomônico em duas nações, assim como a conquista do reino do norte pelos assírios e a destruição do reino do sul pelos babilônios, mergulhou a nação israelita em uma grande crise. A monarquia, que inicialmente tinha promovido o culto de Yahweh como um deus nacional, relativizou e condicionou a sua coerência religiosa a seus interesses políticos e econômicos, ou ao desenvolvimento de alianças estratégicas para aumentar a sua influência na região palestina. Cultos a outros deuses foram promovidos, porque os casamentos de conveniência eram celebrados com membros de outras monarquias vizinhas que adoravam outras divindades.

     Uma tentativa de reforma nacional, que pretendia usar a centralização do culto ao Senhor em Jerusalém nos dias do rei Josias, terminou desaparecendo com a morte do monarca em uma guerra contra o Egito e, alguns anos mais tarde, ela provou sua inutilidade quando foi conquistada Judá por Nabucodonosor. O exílio forçado pelo império babilônico, levou as elites intelectuais e religiosas para a Mesopotâmia a repensar o que tinham vivido e a se perguntar por que Yahweh parecia mais fraco do que os deuses de outros povos. Daí se originou uma intuição fundamental: o ser humano era o verdadeiro destruidor da harmonia que Deus tinha estabelecido no mundo. O desejo de ser como Deus levou a relativizar a vida humana, a aperfeiçoar a arte da guerra, do conflito e encontrar oportunidades para sonhar com a grandeza. Isso inevitavelmente produziu o caos na história, os seres humanos não se entendiam mais e era preciso recomeçar.

     Paradoxalmente, essa intuição nasceu da leitura de um mito criado pelos próprios conquistadores (o Gilgamesh). Mas não se tratava de uma cópia, mas de uma releitura da própria história. O dilúvio representou aquela era de caos que eles estavam experimentando, mas isso não era absoluto. Na maioria das vezes, Israel experimentou a confusão gerada pela corrupção e pela utilização de uns e outros. Os profetas, membros de clãs de proprietários de terras ou círculos sacerdotais não determinados pela influência dos reis, sempre deixaram em claro a necessidade de retornar às antigas raízes do povo: o período em que Deus os conduziu à liberdade.

     As brumas do tempo não permitem uma reconstrução precisa das origens do Yahwismo. Os acontecimentos originais não estão ao nosso alcance por falta de provas documentais, mas temos a sua reinterpretação em vários níveis literários, que correspondem também a diferentes visões de mundo. Moisés, o salvo das águas, torna-se o enviado de Deus para enfrentar o poder do Faraó, que se considerava um deus vivo.[8] O livro do Êxodo nos lembra que a divinização dos poderes terrestres é apenas uma quimera, que inevitavelmente cai quando a ação de Yahweh se manifesta. Não é de estranhar que as obras teológicas que fazem esta releitura tomem as tradições exódicas com tanta força. Os exilados sabiam que o Egito tinha entrado em uma época de crise, que a Assíria caiu nas mãos dos babilônios e que este outro império também caiu sob a Pérsia. A conclusão para eles foi clara: quem governa o mundo dos homens, foi quem recebeu a aprovação do único que está acima de tudo, porque todos dependem dele, Yahweh.

     A derrota dos poderosos se manifestou porque Deus escolheu um grupo de escravos para conduzi-los à liberdade. As perambulações pelo deserto serviram de base para interpretar a perda da independência nacional como um momento importante para aprender com Yahweh a ser livre.

     Este foi o momento repensar novamente a vida e considerar como poder ser mais fieis à sua própria identidade. As respostas não foram unânimes. Por um lado, estava claro que havia a necessidade de um guia, então diferentes códigos legais foram produzidos para lançar as bases de uma futura nação. Algumas leis mais próximas do código de Hamurabi, outras baseadas na santidade cultural do povo, outras determinadas a colocar um limite à monarquia; cada proposta foi apoiada, com certeza, por grupos diferentes, e nem sempre eles foram consistentes entre si. O interessante sobre todas essas propostas é que elas estão espalhadas por todo o Pentateuco, a Torá dos judeus; nenhum código foi rejeitado, porque tudo o que havia de bom neles foi mantido. Mas não estamos diante de uma simples coleção de leis, mas de uma composição contendo histórias que vão desde o início dos tempos até o agora em que Israel está prestes a entrar na Terra Prometida.[9] Uma terra que, no entanto, deve ser conquistada e forjada à luz da fé.

     A morte de Moisés, o salvo das águas, deixa claro que uma geração tinha passado (aquela do exílio?) E surge uma nova (aquela do pós-exílio?). E, novamente, a tarefa de reconstruir o que foi demolido e erguer o que não foi feito está diante dos olhos.

Realismo ao recontar e reinterpretar a história

     Nem tudo, entretanto, nos livros da Bíblia é preto ou branco. Uma das principais características das histórias bíblicas é a descrição do ser humano de forma realista, principalmente no que se refere aos escolhidos por Deus para realizar seu projeto de vida. Desde o início da Bíblia, os personagens principais não são necessariamente exemplos de virtude. Abraão se apresenta como uma pessoa que tem medo, que engana o Faraó do Egito e Abimelek dizendo que sua esposa era sua irmã e oferecendo-a para os haréns desses governantes. É Deus quem tem que agir para que a verdade apareça. Abraão se lamenta com Deus, acredita, mas se desespera; ele concorda em ter relações com a escrava de sua esposa, mas seu filho primogênito não herdará sua propriedade, porque Deus quer tirar um filho de uma mulher estéril. Deus promete descendência imensa, mas Abraão só teve dois filhos. Seu neto Jacó é um canalha que apropria do direito de primogenitura de seu irmão por meio de um engano. Os irmãos de José o vendem por inveja, Davi comete adultério, Elias mata os profetas de Baal sem uma ordem divina, Jeremias se desespera e deseja nunca ter nascido e disse que seria melhor ser sido um aborto. Histórias como essas são abundantes na Bíblia. Por que tanto realismo e não solo elegias de glória? O ser humano é sempre projeto ambíguo é a conclusão mais lógica quando a Bíblia é lida.

     Os grandes projetos de reconstrução posexílica, entretecidos no Pentateuco, tiveram que ceder com à chegada dos gregos. Outro mundo se abria para os judeus. De um lado, o desejo de universalização e, de outro, a necessidade de fechar-se novamente para se proteger. Os grandes símbolos de identidade revelaram ser o templo e a fidelidade à Torá. Para se salvar das ameaças selêucidas, uma aliança foi estabelecida com Roma e, assim, Judeia tornou-se um estado vassalo novamente. A cultura grega, no entanto, não deixou o judaísmo imperturbado. Uma nova corrente de pensamento começou a moldar a consciência e o comportamento dos judeus que, desde os tempos do exílio, começaram a viver fora da Palestina.

     Foi nessa época que surgiu a necessidade de traduzir o TANAK para o grego, o que deu origem à Bíblia dos LXX. Novas obras judaicas, escritas em grego, começaram a repensar a tradição de Israel a partir das categorias filosóficas ocidentais, mas sem abandonar a visão particular e original judaica: para estas obras, toda a sabedoria é medida na capacidade de ter um pensamento para gerar autenticidade e tranquilidade. Ao contrário do pensamento abstrato, a σοφία hebraica busca na experiência os critérios para julgar o mundo e tirar conclusões existenciais. Deus não é uma abstração de um λόγος primordial, mas é comunicação. Mais uma vez, a ideia de encontrá-lo se concretiza no vivido, que acaba sendo o húmus para pensar e agir. As categorias gregas são antropomorfizadas para indicar sua dependência de Deus como suas criaturas. Reaparecem também referências ao êxodo, aos patriarcas, à origem do mundo e à relação entre as pessoas.

     Nesta nova era, as categorias abstratas não são entendidas como descrições absolutas e perfeitas do real, mas como categorias que têm contraexemplos válidos e verdadeiros. O contraste antagônico é preferido à singularidade dos discursos; a diversidade que provoca o diálogo, à singularidade que tende a ser uma resposta inequívoca e até opressora. A vida humana caminha entre luzes e sombras, mas acompanhada por Yahweh que ajuda a equilibrar as coisas e os tempos.

E Yahweh se fez história

     A coleção que inclui o Novo Testamento tem um duplo aspecto hermenêutico: as tradições do Antigo Testamento de Israel e a vida de Jesus de Nazaré. Alguns dizem que o Novo Testamento é um comentário sobre o Antigo, outros que o primeiro é a superação do segundo. Ambas respostas estão erradas. Como sempre na Bíblia, há releituras e novidades. O interessante é que as cartas de Paulo e os relatos dos Evangelhos sempre têm que se referir aos textos do Antigo Testamento para interpretar a vida de Jesus; mas, por outro lado, eles insistem que a única maneira de entender Yahweh é por meio dele. Ou seja, o encontro com Yahweh na história termina na convicção de que ele participa da história ao lado dos homens como um deles.

     Esta coleção, segundo a pesquisa histórico-crítica, foi formada a partir de um núcleo teológico: Jesus morreu na cruz e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras. O que parece para ser solo uma afirmação tradicional e normal para todo cristão, na verdade é uma premissa interpretativa que está ancorada em dois fundamentos: a experiência histórica dos que conheceram a Jesus e a história de Israel interpretada no Antigo Testamento e relida à luz da vida de Jesus. Isso significa que a afirmação essencial da fé cristã pode ser entendida a nível literário na consideração de sua estrutura semântica,[10] que poderíamos delinear assim:

 

Morte de Jesus - Ressurreição - História interpretada de Israel

 

     Note-se que a confissão na ressurreição de Jesus só faz sentido se a experiência de vida dos seus discípulos está diretamente ligada ao conjunto de textos que, de modo diversificado, interpretam a história de um povo. Estamos perante uma forma de ver a vida que tem a ver, não só com uma série de acontecimentos do passado, mas com uma avaliação dele que nasce da experiência de superação das injustiças. A ressurreição é certamente uma confissão de fé, mas também uma forma de compreender a dinâmica histórica. Jesus não morreu de velhice, foi condenado pela autoridade romana, instigado pelos mais importantes círculos sacerdotais e religiosos de Jerusalém.

     O Novo Testamento tem sua origem em um drama humano, que se refere à existência de uma pessoa. Por outro lado, essa vida é cheia de relacionamentos com outras pessoas, sejam elas colaboradores, inimigos, líderes, cidadãos palestinos ou romanos. Ou seja, o Novo Testamento tenta expressar uma continuidade de pensamento entre a coleção de livros da TANAK e da Bíblia dos LXX, e a experiência vivida com Jesus. É uma forma de incluir diferentes visões de vida, mas também de tornar clara a realidade do encontro com o Senhor. A novidade que oferece é que Yahweh se relaciona como pessoa humana, com uma experiência vital e com uma percepção particular do encontro que Israel teve com Deus no passado. O ponto alto de toda a história de Jesus é que ele foi condenado por sustentar que Yahweh intervém na história da humanidade a partir de uma perspectiva particular: oferecendo a possibilidade de criar mais vida e libertar todos aqueles que sentem sua existência diminuída por fatores externos e opressores.

     Esta participação de Deus na história como ser humano traz consigo a introdução de uma nova realidade, que leva o nome de ressurreição. Jesus, embora condenado, não é uma vítima falhada na morte, porque toda a sua existência (na linguagem tradicional, mas não para aquela bíblica: a sua vida espiritual e corporal) superou a violência a que foi submetido com o amor e a doação total de se mesmo. Isso implica, portanto, uma nova percepção do encontro com Deus na história. Primeiro, porque implica uma nova responsabilidade para os seguidores de Jesus no mundo e, segundo, porque Deus trabalha por meio de Seu Espírito para construir junto aos humanos um novo mundo sem morte e opressão, que transcende a temporalidade e a fraqueza das ações humanas.

     É interessante que o último livro da coleção do Novo Testamento está cheio de simbolismos e evocações de todo o conjunto dos livros bíblicos. Ele se introduze como uma comunicação a cristãos concretos que sofrem perseguições e que, apesar de seus esforços para permanecer na fé, também experimentam as contradições típicas de cada ser humano. Mas quem fala com eles é Jesus, que superou as adversidades e pede confiança e coragem. As visões que se sucedem evocam a história do Êxodo, que ilumina a relação que existe entre as vicissitudes que os homens enfrentam na terra e a proximidade do mundo celestial com essa realidade. O livro termina com um grande encontro, onde quem passou pelas atribulações da história é acolhido numa nova cidade oferecida por Deus como lugar de plena comunhão. O grande dragão do mal e as destrutivas bestias (ao estilo da sucessão dos impérios no livro de Daniel) são superados por um cordeiro que foi morto, que ofereceu seu sangue para que os homens para recuperam a esperança e o desejo de continuar lutando, movidos pelo Espírito divino, para transformar a realidade histórica.

Um mundo onde muitos mundos se encontram

     Esta breve viagem, que de forma alguma é exaustiva, nem enfrenta os grandes desafios interpretativos de todos os textos bíblicos, quis deixar várias coisas claras. A Bíblia é complexa porque fala sobre a vida humana de muitas maneiras diferentes. É um esforço enorme para dar sentido à sucessão dos acontecimentos, não como uma abstração ideológica, mas como uma tentativa de mostrar que a história é composta de experiências individuais, relações interpessoais, vidas comunitárias ou nacionais, confrontos internacionais e influências ideológicas dialéticas, variadas e enriquecedoras.

     Não encontramos na coleção de textos bíblicos o desejo de impor um pensamento único, mas de dar espaço a diferentes vozes. Não importa que sejam heróis, ladrões, pessoas honestas ou desonestas, reis ou plebeus. Também não oferece uma visão fechada dos sucessos e glórias de uma nação, mas fala de fracassos, corrupção, interesses ou inveja que geram conflitos terríveis e dolorosos. Nessa história surgem vozes de denúncia, oposição, desejos de reforma e sonhos de futuro. Somos informados de projetos de nações, de tentativas de mudar as coisas e de quedas caídas nos mesmos lugares. Em suma, a vida humana é retratada a partir de sua grandeza e de sua miséria, de seu amor altruísta, da paixão dos amantes e dos planos maquiavélicos de quem só pensa em si mesmo.

     Também vemos nela símbolos, ideias, leis, práticas religiosas e sistemas políticos inspirados por diferentes povos. Em seu buscar, os autores bíblicos usam a experiência de outras pessoas para compreender suas próprias vidas e os desafios que têm de enfrentar. Não hesitam em aceitar o que se mostra bom, rejeitam as pretensões da manipulação ideológica nascida do poder, mas também reconhecem que o poder é uma tentação permanente para uma criatura frágil, que às vezes finge ser Deus.

     E fala-nos de um encontro, com a origem de toda a vida e de todo o bem, que se aproxima por iniciativa própria para dizer que é Yahweh: aquele que se manifestará, aquele que estará presente, aquele que não pode ser manejado ou convertido em um fantoche do poder despótico, porque ele é totalmente livre e soberano. Os homens só se dão conta da sua presença porque o veem por trás, como Moisés, mas sabem que é um fogo ardente que não consome, é uma brisa delicada em momentos de angústia e de determinada provocação para ir além do que foi conquistado. Deus nos parece terno e duro, conhecedor do que há de mais íntimo no homem, mas capaz de fazer dos mais corruptos portadores de vida para os outros.

     Um Deus que, no seu desejo de comunicar, se faz homem e experimenta o que o homem vive na sua própria carne. Ele desejou viver em primeira mão o que significa enfrentar a morte atroz e despiedada, nascida do ódio e da ânsia de domínio. Ele é um Deus que une, que não faz guerra, que liberta e que ensina. Uma tempestade, como descreve o livro de Jó, mas que dá razão aos homens que, como Jeremias, se sentem abatidos pelo peso de sua palavra exigente. Um Deus que no final do seu sofrido drama como condenado à morte, envia os seus ao encontro com outras pessoas, com outras culturas e povos, para contar-lhes a experiência que os seus pais e eles mesmos viveram, ajudando-os a aprender a abrir-se a um novo desafio que se lhes apresenta: reconhecer a beleza de um mundo ainda desconhecido.

 

 

[1] A palavra "Bíblia" é pregada de várias maneiras. Primeiro, temos a TANAK, ou Bíblia Hebraica, que é composta de livros escritos principalmente em hebraico com algumas passagens em aramaico: esta coleção se refere aos livros que “mancham as mãos” na tradição judaica, o que indica seu valor sagrado. A TANAK é composta pela Torá (lei), pelos Nebi'im (profetas) e pelos Ketubim (Escritos). Em segundo lugar, temos a Bíblia dos LXX, que é uma tradução grega dos livros que compõem a TANAK, com a inclusão de alguns outros textos que não estão na Bíblia Hebraica. E, em terceiro lugar, temos a Bíblia cristã, que consiste dos livros do TANAK e do Novo Testamento, na tradição protestante, e, na tradição católica, também estão incluídos os livros da Bíblia dos LXX que não se encontram na TANAK. Em um nível técnico, os textos que compõem a Bíblia dos LXX junto com aqueles do Novo Testamento são conhecidos como a Bíblia Grega.

[2] Entendemos por "ideologia" um conjunto sistemático de ideias que são propostas como descrições válidas do real, a fim de direcionar as ações humanas para algum fim específico.

[3] Cultura é entendida neste artigo em um sentido amplo, como qualquer esforço que procura encontrar um sentido para a existência por meio de signos (linguagens), sistemas (costumes, rituais, organizações sociais) e modificações do ambiente (trabalho, relações intergrupais, sistemas de administração coletiva).

[4] Este não é o momento de falar sobre os processos de "canonização" dos textos bíblicos. No entanto, esta é uma terminologia cristã, que tem apenas uma semelhança externa com a definição dos textos que "mancham as mãos" na tradição judaica. É importante destacar que, a partir da definição pela autoridade eclesiástica dos limites dessa coleção, a Bíblia passou a ter um significado particular: começou a ser chamada “Escritura”, nome que implica seu caráter comunicativo por excelência. Essa categorização teve uma influência decisiva ao longo da história do Ocidente. Cf. A. Paul, La Biblia y Occidente. De la Biblioteca de Alejandría a la cultura europea (Estella, Navarra 2007).

[5] Referindo-se a este texto, apenas no final alguns encontram uma referência mínima a Deus, mas seria uma apócope usada como um sufixo verbal. Embora esta seja uma possibilidade gramatical, o fato é que as mesmas letras são usadas para o sufixo da terceira pessoa feminino singular, então a referência do versículo não é Deus, mas a amada do poema. Preferimos esta solução, porque a compreensão do texto é muito mais fácil do que no caso em que se opta por uma alusão a Deus, já que se referiria a uma simbologia presente nos salmos e inspirada pelo deus da tempestade. No segundo caso, se referiria ao orgasmo feminino, muito mais em consonância com as imagens eróticas da obra. Com tudo, é interessante notar que a ambiguidade morfológica implicaria a possibilidade de novas interpretações literárias.

[6] A palavra história também pode ser entendida como a criação ficcional e literária de uma série de acontecimentos, que tendem a expressar e resolver uma série de conflitos e que implica desenvolver um processo interpretativo por parte do leitor.

[7] Dois princípios básicos estão unidos na composição dos textos: preservar o que foi recebido e oferecer atualizações para outros novos contextos. Essa preocupação criou uma combinação verdadeiramente única no resultado literário final. É possível vislumbrar nos textos uma grande variedade de mãos e visões do mundo que fazem parte da estrutura literária, mas a sua dissecção é impossível, porque as tentativas de reconstruir as adições ou interpretações dos documentos "originais " tem sempre mostrado frágeis e hipotéticas. Não por isso, o processo deve ser descurado, porque nos oferece critérios de compressão únicos e importantes para determinar o significado de um espírito na constituição da coleção.

[8] Observe alguns elementos semelhantes deste profeta com Noé. Quando o mundo chegou ao fim da corrupção, Deus o enviou para salvar toda a criação numa arca. Moisés salvou-se das águas navegando em uma cesta. Noé deu à luz a nova humanidade, Moisés ao novo povo.

[9] Não entramos no problema das origens do Pentateuco e suas possíveis inicios como um Tetrateuco, Hexateuco ou Heneateuco.

[10] Aqui não nos referimos aos diversos enunciados da confissão cristã encontrados no Novo Testamento, mas partimos de uma abstração que nos permite diferenciar os pontos essenciais em um nível semântico, tudo para fins exemplares.

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