Notícias


10 Abril 2023

Carta do Ministro Provincial por ocasião da Páscoa

Escrito por 

     A gratidão a Deus é uma virtude que permeia os corações dos religiosos, os quais, fiéis ao compromisso da vida consagrada, reconhecem a grandeza de suas vocações. Eles compreendem que os valores religiosos que possuem provêm da iniciativa e da manutenção da graça divina, que não se cansa de colaborar com a salvação do homem. Na oração do “Te Deum” rezamos: “A Vós, ó Eterno Pai, reverencia e adora toda a terra”[1]; nesta oração destaca-se a grandeza e a majestade do Pai, visível pelos corações marcados pela fidelidade, visível também na Solenidade da Ressurreição, que celebramos, e pela qual Nosso Senhor Jesus Cristo manifesta a sua imensa vontade de salvar a humanidade, consagrando-a ao Pai pelo seu sangue derramado na cruz.

     No Mistério da Paixão e Ressurreição de seu Filho Jesus Cristo, vemos manifesta a divindade de Deus Pai na concretização da sua máxima expressão de amor, suscitando, no profundo das entranhas da Igreja, a resposta de amor pessoal de cada batizado. Na dimensão religiosa, é resgatada a espiritualidade do consagrado que, fiel e agradecido, reconhece a imensidão da dádiva divina por cada pecador. Diariamente observamos as manifestações de amor e as motivações vocacionais, fruto da experiência da Paixão e Ressurreição, celebrada pelo religioso na vida consagrada.

     Santo Agostinho fez a seguinte afirmação sobre a fé e a Ressurreição: “A fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo”[2]; esse parecer permite relacionar a essência da fé com a “Ressurreição do Senhor”, influenciando intimamente a vida do religioso. É possível afirmar que sem essa experiência da Ressurreição, não é possível a perseverança na vocação. Entende-se que a vocação está intimamente ligada à Ressurreição, pois o evento da Páscoa, alimenta a intuição e o processo vocacional, fazendo do religioso, um testemunho de fraternidade, como o exemplo das mulheres piedosas que encontraram o Cristo Ressuscitado.

     As mulheres que haviam vivido a experiência humana com Cristo, influenciadas pela sociedade descrente, estavam estigmatizadas pelas condicionantes da morte, enraizada em suas culturas, numa sociedade que ainda estava em processo de evangelização. Comovidas pela dor da Paixão, esternalizaram sinais fúnebres, não se atentando aos sinais do céu. Elas não conseguiram, olhar a realidade conforme o desígnio de Deus, chocando-se com a ausência do Senhor e com a pedra removida: “roubaram o corpo do Mestre”.[3]

     Elas não estavam atentas a possibilidade da Ressurreição Senhor. Não esperavam pelo acontecido, e, como alguns discípulos, desanimaram em consequência à Paixão, voltaram às suas antigas vidas. Assim, constatamos que a vida religiosa sem a compreensão da Ressurreição, pode fazer do religioso desatento aos sinais do céu, a não compreender os sacrifícios e oblações exigidos por ela.

     A presença do anjo é um sinal do céu, o qual, questiona a postura das mulheres “Por que buscais entre os mortos ao que vive?”[4]. O Anjo destaca essa incompreensão diante da Paixão que fora anteriormente anunciada por Cristo. Ele revelou o sinal da eternidade entre eles, sinal que fora desconsiderado; o anjo descarta o poder do túmulo sobre o Senhor, negando que o Senhor estivesse no sepulcro “Ele não está aqui, mas ressuscitou[5]. A ação do anjo faz recordar a Palavra do Mestre que insistia na vitória sobre a morte “Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para que zombem dele, o açoitem e o crucifiquem. No terceiro dia ele ressuscitará!"[6] Os sinais da Paixão ocorreram, mas os discípulos demoraram a compreender o valor da Ressurreição “Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galileia”[7]

     Na vida comunitária e fraterna, estão escondidos sinais de Deus, sinais sagrados. Nossa consagração religiosa faz parte deste sinal testemunhando a Ressurreição, pois vivemos na esperança da vida eterna, assumindo os votos religiosos de pobreza, obediência e castidade. Cada frade entoa um grito de libertação em seus corações ao dizerem sim à vocação. Cada um de nós expressa a vitória de Cristo ao acreditar no que Ele disse: "Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá”[8]

     A vida fraterna e o apostolado são a resposta de uma vocação madura e fervorosa, que busca imitar às mulheres piedosas do Evangelho, na obediência ao anjo quando disse: “Ide, depressa e dizei aos seus discípulos que ele ressuscitou dos mortos”.[9] Nossa vocação nos impele mais profundamente, a atestar a presença do eterno (Espírito) nas condições desafiadoras da vida. Assim fez São Francisco de Assis, que testemunhou presença do Senhor, no mundo, numa perspectiva esperançosa. Ele via o “Reino do Senhor” acontecer em meio aos homens, e com certeza acreditava que o Cristo Ressuscitado continua apascentando, abençoando, alimentado, curando e santificando o seu povo, na onipresença da “Santa Igreja”.

     A nossa consagração religiosa sacraliza a presença do Cristo Ressuscitado e nos desafios da vivência dos votos, chegamos à experiência do Encontro com Senhor e nos dispomos a realizar às suas obras e nos tornamos Suas mãos e lábios, permitindo àqueles que estão a nossa volta de fazerem a experiência com Ele através do testemunho da vocação.

     Portanto, se faz necessário visitar o sepulcro de Jesus e constatar que ele está vazio. Como as mulheres no Evangelho constaram, na madrugada da Páscoa, que o Senhor não estava morto, mas vivo! Necessitamos lembrar sempre que não estamos sós, que Cristo vive em nós. Elas entenderam que a lógica da morte não teve poder sobre o Senhor e protagonizaram uma profunda experiência de “eternidade”, encontrando-se com o mestre, não um fantasma, compreenderam o poder de Deus na realidade humana: É Cristo Ressuscitado! Elas não esconderam a alegria do Encontro “se aproximaram dele, jogaram-se aos seus pés abraçando-os, e o adoraram”[10]. A alegria delas substituiu o medo, a insegurança e a incerteza. As mulheres transformaram-se em testemunhas do Ressuscitado, assumiram a missão e logo, destemidas, foram anunciar a todos que o sepulcro estava vazio e que o Senhor havia ressuscitado.

     Assim, a vocação religiosa de cada frade, inspirada pela graça divina, o impele ao “Encontro” e a “Missão”. Faz-se necessária uma experiência diária da Paixão e Ressurreição, para a edificação das estruturas pessoais e espirituais do religioso, ao mesmo tempo que o torna um anunciador das realidades eternas neste mundo descrente, pois como afirmou o Papa Francisco: “com os olhos da fé, o contemplamos ressuscitado e vivo. Nós também somos chamados a encontrá-lo pessoalmente e nos tornar seus anunciadores e testemunhas”.[11]

     Entretanto, a Páscoa do Senhor, sugere a compreensão da verdade de Cristo, selo de autenticidade fundamentado e edificado na fé cristã “Se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé e ainda estais em vossos pecados[12]. A Ressurreição do Senhor não poderia ser comprovada, se Cristo não a atestasse em sua humanidade, com sua simplicidade e singeleza ministerial, andando no meio dos homens pobres, pagãos, crentes ou não crentes. Nosso Senhor, revelou a grandiosidade do Pai, vivendo no meio das misérias humanas, ferida pelo pecado. A Ressurreição do Senhor foi o selo de autenticidade de uma divindade enraizada na humanidade, não excluindo o homem e sua natureza, mas a dignificando “Estive morto, e eis-me de novo vivo pelos séculos dos séculos[13].

     A humanidade de Cristo presente na Ressurreição, ressalta nossa humanidade divinizando-a diante do Pai, pois a luminosidade da Páscoa não apagou as chagas da Paixão. Esta compreensão sobre a Ressurreição de Nosso Senhor, inspira nossa vocação religiosa, sinalizando que a fé não é vã e que a esperança permeia o coração do religioso. De fato, a Ressurreição sugere a nós, frades franciscanos, que com olhar religioso, a vida cotidiana. São visíveis, no ordinário da vida comunitária, os sinais eternos, transformando as condições de cruzes, em possibilidade de graça, pois a Paixão e Ressurreição de Cristo nos ensina a vê-Lo nos desafios que se apresentam “Eu sou a Ressurreição e a vida; o que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”.[14]

     A natureza humana divinizada no milagre da Ressurreição, deve integrar o imaginário espiritual de cada religioso, ressignificando a vivência de vida fraterna, relacionando as intenções e suas ações, vislumbrando os sinais da fé. Somos, de fato, inspirados pelo Cristo Ressuscitado a transformar em bem, as realidades mais ínfimas e desagradáveis que surgem, tornando-as vida, ao exemplo de nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis, que em tudo via a mãos de Deus. “Nada mais nos agrade e deleite a não ser o Criador e Redentor e Salvador nosso, único verdadeiro Deus, que é o Pleno Bem, todo bem, o bem inteiro, verdadeiro e Sumo Bem, que só Ele é bom”.[15]

     São Francisco de Assis testemunhou, ao longo de sua peregrinação neste mundo, a compreensão de que tudo era provisório e só Deus era permanente, de tal forma que vivia pleno da graça divina “Francisco mostrou aos seus irmãos.... que deviam sem cessar, com a alma de pobre, celebrar a Páscoa do Senhor, isto é, a passagem deste mundo ao mundo do Pai”.[16]

     Aprendemos, portanto, na escola de São Francisco, que o vislumbrar da Ressurreição do Senhor nos inspira a ações concretas e significativas. Torna-nos testemunhas do Ressuscitado, com a grande reponsabilidade de viver este “Encontro” na experiência pessoal, com a missão de revelar aos irmãos a vida eterna, nos desafios do apostolado e da missão, como fez São Francisco de Assis: “Fiz o que tinha que fazer. Que Cristo vos ensine o que cabe a vós”[17]

     Vivendo a eminência das celebrações do Ano Jubilar Provincial, das celebrações dos 50 anos de nossa jurisdição no Brasil, nossa província traz à memória as alegrias e tristezas, as chagas e os bálsamos, com grandes vitórias, de modo significativo; há superações por meio das graças recebidas de Deus. Há sinais permanentes do Cristo Ressuscitado em nosso meio, essa graça divina tem cooperado com cada religioso que, na intensidade do sacrifício, viveram a paciência, construindo com fé, os valores religiosos, amando a Igreja e a Ordem. Dentre os diversos nomes que construíram essa história, temos os frades falecidos, entre os quais destacamos de modo especial Dom frei Agostinho, que demonstrou grande amor à Província no testemunho da vida missionária. Também é importante fazer memória dos frades: Fr. Edmundo, Fr. Francisco Kramek, Fr. José Stakiewiek e Fr. Gastone Pozzobon.

     Ressalto o empenho de todos que tem vivido sua vocação com entrega de si e sacrifício. Quero finalizar essa carta os com ensejos de Paz e Bem aos confrades e que o Cristo Ressuscitado seja sempre a força diante dos desafios na vida consagrada. Que o Espírito lhes inspire a lutar pela vitória conquistada por Cristo, alimentando sempre a vocação religiosa, tornando-se luz diante das trevas!

     Feliz Páscoa!

FREI GILBERTO DE JESUS

Ministro Provincial

[1] Hino Te Deum.

[2] AGOSTINHO, Santo Enarr. Os 120,6.

[3] Evangelho de São João 20,13.

[4] Evangelho de São Lucas 24.5b.

[5] Evangelho de São Lucas 24.6.

[6] Evangelho de São Marcos 20,18-19.

[7] Evangelho de São Lucas 24.6.

[8] Evangelho de São João 11,25.

[9] Evangelho de São Mateus 28,7.

[10] Evangelho de São Mateus 28,9.

[11] PAPA FRANCISCO. A ressurreição de Cristo é o acontecimento mais fascinante da história humana. Regina Coeli, Oração com os peregrinos / Praça São Pedro – 22.04.2019.

[12] 1Coríntios 15,14.

[13] Apocalipse 1,18.

[14]  Evangelho de São João 11, 25.

[15] Regra Não Bulada XXIII,9

[16] Legenda Maior 7,9

[17] FONTES FRANCISCANAS, 2Cel n. 214. 

Compartilhar

Mídia

Mais nesta categoria:

Artigos

Ver todos os artigos
© 2022 Ordem dos Frades Menores. Todos os direitos reservados

 
Fale conosco
curia@franciscano.org.br